Parecer PGFN nº 177, de 10 de fevereiro de 1993
(Publicado(a) no DOU de 15/02/1993, seção 1, página 2010)  
Processo nº 10168.006543/91-38. MICROFILMAGEM - Ineficácia da Lei nº 5.433, de 8 de maio de 1968, para derrogar disposição do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966). Prevalência da norma contida no art. 195 do CTN, e inteligência do seu alcance.
I
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS FABRICANTES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES - ANFAVEA, em expediente datado de 29 de julho de 1991, dirige-se ao titular do extinto Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, para solicitar revogação de Parecer Normativo da Secretaria da Receita Federal (então, Departamento da Receita Federal) que, ao normatizar a exibição, por parte dos contribuintes, de documentos fiscais através de cópias obtidas pelo processo de microfilmagem, estabeleceu, "verbis":
"Os originais dos referidos documentos deverão, entretanto, ser conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram (art. 195, parágrafo único, do C.T.N.), facultando-se aos agentes do Fisco exigir sua apresentação sempre que entenderem necessário e oportuno fazê-lo, no interesse da ação fiscalizadora e da segurança do controle fiscal".
2. Com essa exigência não se conforme a ANFAVEA, que busca, então, a avocação da matéria pela mais alta autoridade ministerial, no sentido de restabelecer orientação anterior da própria SRF que permitiria a inutilização dos originais, uma vez microfilmados os documentos.
3. Em suporte a esse pleito, argumenta: "Resta evidente que a obrigatoriedade de manutenção dos originais torna totalmente inútil a microfilmagem de documentos, retirando qualquer sentido à lei que autorizou tal processo, lei cuja finalidade, cuja razão de ser, é justamente permitir a modernização dos métodos de arquivamento de papéis".
4. E acrescenta:
A par disso, cumpre não perder de vista que o parágrafo único do art. 195 do C.T.N., invocado pelo parecerista fiscal para fundamentar a "decretação" de invalidade da Lei nº 5.433/68, não apresenta qualquer incompatibilidade com a referida lei. Ao reverso, uma simples análise comparativa entre o dispositivo legal complementar acima citado e a lei ordinária sobre a microfilmagem de documentos, não se visualiza quaisquer disposições contraditórias que autorizem, a quem quer que seja, apontar um conflito de "normas".
5. Submetida a matéria a exame desta Procuradoria, em 30 de março de 1992, foi o processo encaminhado à Secretaria da Receita Federal, para sua prévia audiência, retornando, agora, com a Nota COSIT/DITIR Nº 239, de 8 de dezembro de 1992, na qual a orientação contida no Parecer Normativo é defendido sob as seguintes duas linhas de argumentação, "in verbis": a primeira, legal, decorrente do comando do art. 195 e seu parágrafo único da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional)", a qual, por ser lei complementar não poderia ser derrogada pela Lei nº 5.433/68. "A segunda, de ordem fática, no interesse da ação fiscalizadora e da segurança do controle fiscal"
6. Em reforço desse entendimento argumenta: "Por outro lado, e ainda de acordo com o citado ato normativo (item 13) superveniente à Lei nº 5.433/68, foi publicado o Decreto-lei nº 486, de 03.03.69 que, dispondo sobre escrituração de livros mercantis, prescreve em seu art. 4º:
"Art. 4º - O comerciante é ainda obrigado a conservar em ordem, enquanto não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes, a escrituração, correspondência e demais papéis relativos à atividade, ou que se refirem a atos ou operações que modifiquem ou possam vir a modificar sua situação patrimonial".
Inferindo-se, ante a forma como o dispositivo se acha posto, que os documentos por ele enumerados deverão ser conservados, também no original.
Por tratar o Decreto-lei nº 486/69 especificamente sobre escrituração de livros comerciais, o comando nele contido prevalece sobre o da Lei nº 5.433/66, que é de caráter geral."
7. A Lei nº 5.433/68 não derrogou a norma do art. 195, parágrafo único do CTN, que dispõe: "Parágrafo único - Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram."
8. E não derrogou por que: primeiro, não podia fazer, uma vez que, como bem o colocou a subscritora da Nota COSIT/DITIR Nº 239, AFTN Maria das Graças Patrocínio Oliveira, trata-se de lei ordinária, enquanto que a matéria disciplinada pelo art. 195, do CTN encontra-se, desde a Constituição de 1967, sob reserva de lei complementar; e, segundo, mesmo que não houvesse a restrição de ordem constitucional e desde que não se trate de derrogação expressa, pelo princípio da especialidade da norma, as disposições de indole tributária que regulam fatos pertinentes às relações tributárias, hão que ser tidas como de natureza especial em relação a outras normas de caráter mais geral, que regulem relações jurídicas de outra ordem.
9. Do ensino de PAULO DOURADO DE GUSMÃO ("Introdução ao Estudo do Direito, FORENSE, 10º edição, 1984, p. 284) colhe-se: "Se a uma lei especial sucede uma lei geral, coexistirão ambas, porque, "lex posterior generalis non derrogat priori specia", pois disciplinam matérias diferentes, salvo se a lei geral nova expressamente revogar lei especial anterior".
10. Ademais os comprovantes de lançamentos efetuados nos livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal, mencionados no parágrafo único do art. 195 do CTN, referem-se, a toda evidência, aos originais dos documentos, papéis e efeitos comerciais e fiscais, relacionados no "caput" do mesmo artigo e não às suas cópias ou microfilmes.
11. E tanto isso é certo que, mesmo no texto da lei nº 5.433/68, quando há referência aos originais, essa é feita pelo termo "documentos", reservando-se as expressões "microfilmes" e "filmes negativos" para o produto da microfilmagem, de onde se extrai que, para a lei, documentos são os respectivos originais.
12. De outra parte, é de todo conveniente assinalar que, mesmo os documentos oficiais cujas cópias em microfilme são reputadas como próprias a produzir efeitos legais idênticos aos originais, não podem ser destruídos sem o prévio consentimento da autoridade competente, conforme consta dos parágrafos 2º, 3º e 5º, do art. 1º da Lei nº 5, 433/68, ato, porém, subordinado a rígidos controles nos termos do Decreto nº 64.398, de 24 de abril de 1969, que regulamentou a Lei nº 5.433/68.
13. Tudo isso é corroborado pela norma do art. 4º do Decreto-lei nº 486, de 3 de março de 1969, conforme assinalado na Nota da SRF, o qual, dispondo, explicitamente, sobre escrituração e livros mercantis, determinada a conservação, pelo comerciante, "... enquanto não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes", da correspondência e demais papéis relativos à atividade,"... ou que refiram a atos ou operações que modifiquem ou possam vir a modificar sua situação patrimonial".
V
14. De tudo o que resulta não ter base legal o pleito da ANFAVEA, porque a orientação oferecida pela Secretaria da Receita Federal, através do Parecer Normativo nº 21/80, no sentido de que os originais dos documentos previstos na legislação tributária devem ser conservados à disposição dos agentes do Fisco, até que ocorra a prescrição, dos créditos tributários decorrentes das operações a que eles se refiram, está em conformidade com a lei e com os princípios de hermenêutica jurídica, devendo, por consegüinte, ser indeferido o pleito, dando-se do fato, ciência à requerente.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 5 de fevereiro de 1993 DITIMAR SOUSA BRITTO Procurador de Assuntos Financeiros
De acordo.À consideração do Sr. Procurador-Geral
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 5 de fevereiro de 1993 RUY JORGE RODRIGUES PEREIRA FILHO Coordenador de Assuntos Financeiros e Tributários, Substituto
De pleno acordo. Submeto o processo com o Parecer, à elevada consideração do Exmo. Sr. Ministro da Fazenda
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 5 de fevereiro de 1993 WAGNER PIRES DE OLIVEIRA Procurador-Geral Adjunto
DESPACHO DA MINISTRA
Em 10 de fevereiro de 1993
Processo nº 10168.006543/91-38
Interessada: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS FABRICANTES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES - ANFAVEA
Assunto: Inutilização de documentos fiscais microfilmados. Despacho: Aprovo o Parecer nº 177 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (fls. 12 a 16), que, analisando as normas da Lei nº 5.433, de 8 de maio de 1968, face ao disposto no art. 195 e seu parágrafo único, do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1960), confirma orientação da Secretaria da Receita Federal, no sentido de que os originais dos livros e documentos previstos na legislação tributária devem ser conservados à disposição dos agentes do Fisco até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram. Publique-se juntamente com o referido Parecer.
YEDA RORATO CRUSIUS Interina
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.