Solução de Consulta Interna Cosit nº 5, de 03 de agosto de 2021
(Publicado(a) no Boletim de Serviço da RFB de 20/08/2021, seção 1, página 12)  

Origem DISIT/SRRF08RF

ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

DESISTÊNCIA DE RECURSO. EFEITOS IMEDIATOS. APLICAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 200 DO CPC AO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE.
A desistência de reclamações e de recursos no âmbito do processo administrativo fiscal produz efeitos imediatos a partir da data da recepção do pedido de desistência pelo órgão julgador administrativo.
A produção de efeitos imediatos da desistência recursal não impede o reconhecimento da desistência pelos julgadores por ocasião da apreciação da reclamação ou recurso, a qual produz efeitos declaratórios, e não constitutivos.
A data da recepção da informação sobre o pedido de desistência pelo órgão julgador administrativo constitui o termo inicial para a contagem do prazo prescricional de exigência do crédito tributário.
A regra prevista no parágrafo único do art. 200 do Código de Processo Civil é própria da ação judicial. Os recursos encontram-se disciplinados no art. 998 do Código de Processo Civil, e não traz a lei processual civil a exigência de anuência da parte ou de homologação judicial para a produção de efeitos do ato de desistência recursal.
Dispositivos Legais: Lei nº 13.105, de 2015, arts. 15, 200 e 998; Decreto nº 70.235, de 1972, art. 33; Portaria MF nº 343, de 9 de junho de 2015 (RICARF), art. 78.
Relatório
Examina-se a Consulta Interna nº 1, de 1º de julho de 2019, formulada pela Divisão de Tributação da Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 8ª Região Fiscal, em face do Pedido de Orientação nº 1, de 2019, que lhe foi submetido pela Divisão de Arrecadação e Cobrança – Dirac da SRRF08, acerca da possibilidade de aplicação supletiva e subsidiária do parágrafo único do artigo 200 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil (CPC) ao Processo Administrativo Fiscal (PAF).
2. A consulente formula os seguintes questionamentos:
8.1 No caso de desistência, por parte do contribuinte, de recurso administrativo em tramitação no Carf, deve-se interpretar a legislação tributária no sentido de que se aplique, nos termos do art. 15 do CPC, supletiva e subsidiariamente, a norma constante do parágrafo único do art. 200 desse código, adotando-se em relação à desistência dos recursos administrativos o mesmo critério estabelecido pelo CPC para a desistência da ação, ou seja, que a desistência do recurso venha a produzir efeitos somente após a data de sua homologação pelo Carf?
8.2 Não sendo o caso de se entender possível a utilização dos arts. 15 e 200 do CPC ao PAF, deve-se interpretar que a desistência geral formalizada pelo sujeito passivo torna o valor do crédito tributário sub judice definitivo, repercutindo, então, que o referido crédito tributário estaria definitivamente constituído na data da interposição do pedido de desistência e, portanto, a partir desta data é que iniciaria a contagem para fins de prescrição do crédito tributário?
3. Aduz que a ausência de normatização expressa a respeito da homologação de pedidos de desistência na legislação tributária, inclusive no PAF, tem motivado dúvidas nas diversas Delegacias da 8ª Região Fiscal a respeito do efeito que a desistência recursal gera para fins, por exemplo, da contagem da prescrição do crédito tributário, e, também, da necessidade de se aguardar a homologação expressa da desistência do recurso para fins de inclusão do respectivo débito em parcelamento e consolidação deste.
4. Tendo por base os arts. 15 e 200 do CPC, os quais, conforme descreve, dispõem, respectivamente, em apertada síntese, que “na ausência de normas que regulem os processos administrativos, serão aplicadas de forma supletiva e subsidiariamente as disposições do CPC” e que “a desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial", a Disit/SRRF08 manifesta seu entendimento de que a desistência recursal do contribuinte, no PAF, produziria efeitos imediatos, ou seja, desde a data de sua formalização e prescindiria de qualquer ato homologatório por parte do órgão julgador (CARF), pois a manifestação daquele Conselho somente atestaria os efeitos já produzidos pela desistência recursal, sendo dotada de natureza declaratória.
5. Sustenta tal afirmação sob o argumento de que o parágrafo único do artigo 200 do CPC, menciona “desistência da ação” e não “desistência de recurso”. E que, sendo o recurso um meio voluntário de impugnação, o recorrente pode ou não recorrer, uma vez que, da teoria geral dos recursos, um dos pressupostos para sua interposição é o “interesse de recorrer”, que demonstraria estar o recorrente se utilizando do recurso de forma útil e necessária para atender aos seus fins e interesses.
6. Assim, afirma que a desistência de recurso na esfera judicial pressupõe que haja um recurso interposto, do qual o recorrente pode desistir sem a anuência da parte contrária, ou seja, a desistência do recurso não precisa ser ratificada nos autos, nem mesmo depende de homologação judicial. Expõe a consulente que o recurso é um ato processual a exteriorizar a vontade da parte, e, como tal, produz efeitos imediatos, conforme o próprio art. 200 do CPC prescreve, e o art. 998 corrobora.
7. Nesse contexto, a Disit/SRRF08 encaminhou a presente consulta interna à Coordenação -Geral de Tributação, a qual se passa a apreciar.
Fundamentos
8. Trata-se na presente consulta do recurso voluntário, instrumento previsto no art. 33 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972 (PAF), dotado de efeito suspensivo, por meio do qual o contribuinte manifesta sua irresignação, total ou parcial, com a decisão de primeira instância proferida em processo de exigência de crédito tributário pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento. Referido recurso é disciplinado pelo art. 78 do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Portaria MF nº 343, de 9 de junho de 2015):
Art. 33. Da decisão caberá recurso voluntário, total ou parcial, com efeito suspensivo, dentro dos trinta dias seguintes à ciência da decisão.
Art. 78. Em qualquer fase processual o recorrente poderá desistir do recurso em tramitação.
§ 1º A desistência será manifestada em petição ou a termo nos autos do processo.
§ 2º O pedido de parcelamento, a confissão irretratável de dívida, a extinção sem ressalva do débito, por qualquer de suas modalidades, ou a propositura pelo contribuinte, contra a Fazenda Nacional, de ação judicial com o mesmo objeto, importa a desistência do recurso.
§ 3º No caso de desistência, pedido de parcelamento, confissão irretratável de dívida e de extinção sem ressalva de débito, estará configurada renúncia ao direito sobre o qual se funda o recurso interposto pelo sujeito passivo, inclusive na hipótese de já ter ocorrido decisão favorável ao recorrente.
§ 4º Havendo desistência parcial do sujeito passivo e, ao mesmo tempo, decisão favorável a ele, total ou parcial, com recurso pendente de julgamento, os autos deverão ser encaminhados à unidade de origem para que, depois de apartados, se for o caso, retornem ao CARF para seguimento dos trâmites processuais.
§ 5º Se a desistência do sujeito passivo for total, ainda que haja decisão favorável a ele com recurso pendente de julgamento, os autos deverão ser encaminhados à unidade de origem para procedimentos de cobrança, tornando-se insubsistentes todas as decisões que lhe forem favoráveis.
9. A consulente questiona sobre o momento em que cessa o efeito suspensivo do recurso voluntário, na hipótese de desistência pelo recorrente do procedimento recursal interposto: se na data da sua manifestação de vontade, ou se apenas quando de sua homologação.
10. A dúvida de intepretação traz por base o previsto no art. 200 do CPC. Questiona a consulente se a regra do parágrafo único do art. 200 do CPC seria aplicável aos recursos interpostos no processo administrativo fiscal, em razão da aplicação subsidiária e supletiva da legislação processual civil ao processo administrativo, prevista no art. 15 do CPC. Os dispositivos citados encontram-se abaixo transcritos:
Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais.
Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial.
11. Responde-se à consulente que o parágrafo único do art. 200 do CPC, que condiciona os efeitos à posterior homologação judicial, refere-se à desistência da ação e que o seu âmbito de aplicação não se confunde com o dos atos das partes previstos no caput do mesmo dispositivo cujos efeitos são imediatos.
11.1. Por outro lado, o art. 998 do CPC (abaixo transcrito), estabelece que o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Trata-se de ao unilateral de vontade que produz efeitos independentemente de homologação judicial:
Art. 998. O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.
Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.
11.2. Esta conclusão encontra respaldo na doutrina:
"A desnecessidade da homologação judicial não significa exclusão de ‘toda’ e ‘qualquer’ atuação do juiz (ou do tribunal). É óbvio que este há de conhecer do ato e exercer sobre ele o normal controle sobre os atos processuais em geral. (…) aqui, toda a eficácia remonta à desistência, cabendo tão só ao juiz ou ao tribunal apurar se a manifestação de vontade foi regular e – através de pronunciamento meramente ‘declaratório’ – certificar os efeitos ‘já operados’" - MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 334-335
“A desistência do recurso produz efeitos desde logo, independentemente de homologação. O CPC prevê a homologação da desistência da ação (art. 158, parágrafo único), o que não ocorre com a desistência de recurso, porque esta é possível sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes e não comporta condição.” NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto F.; BONDIOLI, Luis Guilherme A.; com a colaboração de FONSECA, João Francisco Naves da. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 42.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 605.
“Embora necessite de homologação para colocar fim ao procedimento recursal, a desistência produz efeitos desde que é manifestada no processo, independendo da homologação para produzir efeitos.” NERY JUNIOR, Nelson Código de Processo Civil comentado e Legislação Extravagante: atualizado até 1º de março de 2006. 9.ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.p721-722
11.3. No mesmo sentido o Parecer PGFN/CRJ nº 515, de 2016:
II. 5 DESISTÊNCIA DO RECURSO
90. O art. 998 do novo CPC alberga a possibilidade de o recorrente desistir a qualquer tempo do recurso, mesmo sem a anuência do recorrido ou dos demais litisconsortes, em dispositivo idêntico ao do regime anterior. A desistência é ato unilateral de manifestação de vontade, impeditivo do direito de recorrer, produzindo efeitos desde a sua exteriorização e independentemente de homologação judicial.
12. Assim, em relação ao processo judicial, a desistência recursal prevista no art. 998 do Código de Processo Civil opera efeitos imediatos, a partir da data da recepção da informação relativa à desistência recursal pelo órgão julgador administrativo. Apenas este argumento é suficiente para afastar por si só a pretendida aplicação supletiva do art. 200 do Código de Processo Civil à desistência de recursos no âmbito do processo administrativo.
13. A corroborar o entendimento, cabe reconhecer, ainda a unilateralidade na manifestação do interesse em recorrer que se aplica ao processo administrativo fiscal. A via administrativa é opcional ao sujeito passivo. Assim, a desistência recursal, na via administrativa é ato unilateral de manifestação de vontade, que independe da anuência da Administração.
14. Não há respaldo para que com base no art. 200 do CPC, trazido na pergunta formulada pela consulente, se entenda que a definitividade do crédito tributário ficaria a depender da prévia homologação da desistência recursal. Incabível, portanto, a tese de aplicação supletiva do parágrafo único do art. 200 do CPC aos recursos voluntários no âmbito do processo administrativo fiscal.
15. Nessa linha, ao ato de reconhecimento por tribunal administrativo, em acórdão específico, da desistência pelo contribuinte de recurso voluntário interposto, deve ser atribuído caráter instrumental, cumprindo tão somente a formalidade de extinção do procedimento recursal. Assim, o reconhecimento da desistência de recurso voluntário é ato de natureza declaratória, e não constitutiva.
16. A desistência de recursos na esfera administrativa produz efeitos imediatos, a partir da data de recepção da informação sobre o pedido de desistência pelo órgão julgador administrativo, independentemente de reconhecimento.
17. A desistência do recurso restaura as condições de exigibilidade do crédito tributário que se encontrava suspenso em razão do previsto no art. 151, III, do Código Tributário Nacional. Tem início, então, o prazo prescricional para a cobrança do crédito tributário definitivamente constituído. Esse entendimento observa, também, a teoria da actio nata segundo a qual a prescrição passa a correr a partir da recepção pela Administração, por parte do órgão julgador administrativo, da informação relativa à desistência recursal e da consequente possibilidade do exercício do direito de cobrança.
Conclusão
18. Com base no exposto e ao encontro do entendimento proposto pela consulente, adotam-se as seguintes conclusões:
18.1. A desistência de reclamações e de recursos no âmbito do processo administrativo fiscal produz efeitos imediatos a partir da data da recepção do pedido de desistência pelo órgão julgador administrativo.
18.2. A produção de efeitos imediatos da desistência recursal não impede o reconhecimento da desistência pelos julgadores por ocasião da apreciação da reclamação ou recurso, a qual produz efeitos declaratórios, e não constitutivos.
18.3. A data da recepção da informação sobre o pedido de desistência pelo órgão julgador administrativo constitui o termo inicial para a contagem do prazo prescricional de exigência do crédito tributário.
18.4. Os recursos encontram-se disciplinados no art. 998 do CPC, e não traz a lei processual civil a exigência de anuência da parte ou de homologação judicial para a produção de efeitos do ato de desistência recursal. Fica afastada, no caso sob análise, a aplicação supletiva do parágrafo único do art. 200 do CPC.
MAÍRA ACOTIRENE DARIO DA CRUZ
Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Chefe da Divisão de Normas Gerais de Direito Tributário
De acordo. Encaminhe-se ao Coordenador-Geral de Tributação.
RODRIGO AUGUSTO VERLY DE OLIVEIRA
Auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenador de Contribuições Previdenciárias e Normas Gerais
Aprovo a Solução de Consulta Interna. Encaminhe-se e divulgue-se, nos termos da Ordem de Serviço Cosit nº 1, de 24 de setembro de 2019.
FERNANDO MOMBELLI
Auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenador-Geral da Cosit 
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.