Solução de Consulta Interna Cosit nº 7, de 30 de junho de 2022
(Publicado(a) no Boletim de Serviço da RFB de 26/07/2022, seção 1, página 13)  

Origem
DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO RECIFE/PE – DRF/PE
Assunto: Normas de Administração Tributária
Ementa: BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. VEDAÇÃO À CUMULAÇÃO COM OUTRO BENEFÍCIO NO ÂMBITO DA SEGURIDADE SOCIAL OU DE OUTRO REGIME. ISENÇÕES DE IPI E IOF PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR POR DEFICIENTES E TAXISTAS. INAPLICABILIDADE.
A regra veiculada pelo art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742, de 1993, concernente à vedação à percepção cumulativa do Benefício de Prestação Continuada (BPC) com outros benefícios no âmbito da seguridade social ou outro regime não abrange a concessão das isenções de IPI e IOF na aquisição de veículo automotor por portadores de deficiência e taxistas, constantes das Leis nº 8.989, de 1995 e nº 8.383, de 1991.

Relatório
A Delegacia da Receita Federal do Brasil em Recife interpôs consulta sobre a legislação referente à concessão de isenção de Imposto sobre produtos industrializados (IPI) e Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF) na aquisição de veículos automotores por taxistas e deficientes, conforme disposto nas Leis nº 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, e nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991.
2. Aduz, resumidamente, que em razão do disposto no § 4º do art. 20 da Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) tem indeferido o pedido de isenção do IPI e do IOF para alguns beneficiários de Benefício de Prestação Continuada (BPC). Tal indeferimento tem gerado a impetração de alguns mandados de segurança em face do Delegado da Receita Federal do Brasil em Recife.
3. Argumenta, à guisa de proposta de solução, que a Lei nº 8.742, de 1993, em seu art. 20, § 4º, não guarda relação com as isenções tributárias. Isso porque a vedação à cumulação do BPC (com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de qualquer outro regime), referida no texto legal, não tem relação com os benefícios de natureza tributária, uma vez que:
A expressão [...] tem como objetivo, além de proibir a acumulação do BPC com benefícios do RGPS (que está no âmbito da Seguridade Social, pois está inserido no capítulo II do título VIII da Constituição Federal), como também proibir a acumulação do BPC com benefícios, por exemplo, dos Regimes Próprios de Previdência ou de benefício concedido por algum regime de previdência complementar.
4. Infere também que a norma objetiva vedar a concessão de mais de um benefício relativo à manutenção do beneficiário do BPC, sendo descabido imaginar que o legislador tivesse intenção de vedar a concessão de benefícios fiscais a titulares do BPC, sabidamente pobres.
5. Assim, propõe que a RFB deixe de indeferir os pedidos de isenção do IPI e do IOF a pessoas com deficiência que também aufiram o BPC.
6. É o relatório.
Fundamentos
7. De início, vale transcrever o texto do art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS):
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
[...]
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
(grifado)
8. O BPC está inserido no sistema de proteção da Assistência Social, relacionado nos arts. 203 e 204 da Constituição Federal (CF) e na Lei nº 8.742, de 1993, destinado a pessoas em situação de exposição social. O BPC, portanto, é pago em razão de o requerente não possuir meios de prover a própria manutenção ou de que sua família não possa dar-lhe sustento. O fundamento constitucional do BPC encontra-se no art. 203, V, da CF:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (grifado)
9. O Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007, por sua vez, regulamenta o disposto nos artigos 203 e 204 da CF e na Lei nº 8.742, de 1993. O artigo 3º deste Decreto estabelece que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é o responsável pela operacionalização do benefício.
10. Conforme doutrina especializada, o histórico da legislação relativa à impossibilidade de acumulação do BPC com outros benefícios revela que tal matéria deve ser compreendida no contexto próprio da seguridade social (Fábio Zambitte Ibrahim, in Curso de Direito Previdenciário. 25ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2020. p. 20):
O benefício assistencial, na previsão original do RBPC, não poderia ser acumulado com qualquer benefício da Previdência Social ou de qualquer outro regime previdenciário, salvo o da assistência médica (art. 5º do RBPC). Pelo Decreto nº 6.564/2008, dando nova redação ao art. 5º do RBPC, o impedimento permaneceu, com a ressalva adicional do recebimento de pensão especial de natureza indenizatória. Posteriormente, com a nova redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011, as possibilidades de cumulação são aumentadas, com a inclusão da hipótese de remuneração advinda de contrato de aprendizagem no caso de pessoa com deficiência.
11. Atualmente, o Decreto nº 6.214, de 2007, assim dispõe:
Art. 5º O beneficiário não pode acumular o Benefício de Prestação Continuada com outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, inclusive o seguro-desemprego, ressalvados o de assistência médica e a pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
Parágrafo único. A acumulação do benefício com a remuneração advinda do contrato de aprendizagem pela pessoa com deficiência é limitada ao prazo máximo de dois anos. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
12. O mesmo ato regulamentador também exprime, de modo inequívoco, o sentido do acúmulo vedado, o qual pressupõe “renda”:
Art. 42. O Benefício de Prestação Continuada deverá ser revisto a cada dois anos, para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, conforme dispõe o art. 21 da Lei nº 8.742, de 1993, passando o processo de reavaliação a integrar o Programa Nacional de Monitoramento e Avaliação do Benefício de Prestação Continuada.
[...]
III - o cruzamento de dados para fins de verificação de acúmulo do benefício com outra renda no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, conforme vedação a que se refere o § 4º do art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993; e (Incluído pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
(grifado)
13. Dispõe, na mesma linha, o art. 528, inciso XVI, da Instrução Normativa INSS nº 77, de 21 de janeiro de 2015:
Seção VI
Da acumulação de benefício
Art. 528. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios, inclusive quando decorrentes de acidentes do trabalho:
[...]
XVI - benefício assistencial com benefício da Previdência Social ou de qualquer outro regime previdenciário, exceto:
a) espécie 54 - Pensão Indenizatória a Cargo da União;
b) espécie 56 - Pensão Especial aos Deficientes Físicos Portadores da Síndrome da Talidomida - Lei nº 7.070, de 1982;
c) espécie 60 - Benefício Indenizatório a Cargo da União;
d) espécie 89 - Pensão Especial aos Dependentes das Vítimas da Hemodiálise - Caruaru - PE - Lei nº 9.422, de 1996; e
e) espécie 96 - Pensão Especial (Hanseníase) - Lei nº 11.520, de 2007; e
[...]
14. A situação descrita é, portanto, distinta das hipóteses de concessão dos benefícios tributários previstos nas Leis nº 8.383, de 1991 e nº 8.989, de 1995, no tocante às isenções de IOF e IPI na aquisição de automóveis, respectivamente. Vale dizer, estas últimas tratam de favor fiscal, decorrente de lei específica, concedido pela União em prol da generalidade dos portadores de deficiência física, sem qualquer natureza assistencial.
Conclusão
15. Do exposto, conclui-se que a regra veiculada pelo art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742, de 1993, concernente à vedação à percepção cumulativa do Benefício de Prestação Continuada (BPC) com outros benefícios no âmbito da seguridade social ou outro regime não abrange a concessão das isenções de IPI e IOF na aquisição de veículos por portadores de deficiência e taxistas, constantes das Leis nº 8.989, de 1995 e nº 8.383, de 1991.
RICARDO ROCHA DE HOLANDA COUTINHO
Auditor-Fiscal da RFB
Chefe da Disit04 Substituto
Aprovo. Providenciem-se divulgação interna e posterior publicação na forma do art. 12 da Portaria RFB nº 1.936, de 6 de dezembro de 2018.
RODRIGO AUGUSTO VERLY DE OLIVEIRA
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.