Solução de Consulta Interna Cosit nº 6, de 14 de junho de 2022
(Publicado(a) no Boletim de Serviço da RFB de 13/07/2022, seção 1, página 3)  

Origem 
DIVISÃO DE ARRECADAÇÃO E COBRANÇA DA SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA RECEITA FEDERAL NA 4ª REGIÃO FISCAL 
Assunto: Normas de Administração Tributária

ARROLAMENTO. BEM OBJETO DE CONTRATO DE LEASING OU ARRENDAMENTO MERCANTIL. DIREITOS DO ARRENDATÁRIO.
São passíveis de arrolamento, para fins de acompanhamento de patrimônio suscetível de ser indicado como garantia de crédito tributário, os direitos aquisitivos que o arrendatário tenha sobre bem objeto do arrolamento mercantil por força do respectivo contrato.
ARROLAMENTO DE DIREITOS DO ARRENDATÁRIO SOBRE VEÍCULO AUTOMOTOR OU AERONAVE. VALOR. ANOTAÇÃO DE ARROLAMENTO.
A apuração do valor do direito do arrendatário deve seguir os mesmos critérios adotados para apuração do montante a ele devido em caso de alienação do bem, em conformidade com o disposto na Súmula 564 do Superior Tribunal de Justiça. Deste modo, o valor passível de arrolamento corresponde ao resultado positivo derivado da soma da importância antecipada pelo arrendatário, a título de valor residual garantido (VRG), com o valor do bem na data da apuração, deduzido do VRG total previsto no contrato e, sendo o caso, com desconto do valor das despesas ou encargos que recaírem sobre o bem alienado, também previstas no contrato.
Relatório
A Divisão de Arrecadação e Cobrança da Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da 4ª Região (Dirac04) apresenta consulta sobre arrolamento de bens e direitos de que tratam os arts. 64 e 64-A da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e Instrução Normativa (IN) RFB nº 1.565, de 11 de maio de 2015. O objeto da consulta consiste em saber se os direitos aquisitivos que o arrendatário tenha sobre o bem objeto do arrendamento mercantil, por força do respectivo contrato, são passíveis de arrolamento para fins de acompanhamento de patrimônio suscetível de ser indicado como garantia de crédito tributário.
2. Segundo o consulente, nas três espécies de arrendamento mercantil a propriedade do bem arrendado é do arrendador, que fica com a posse indireta, enquanto o arrendatário detém apenas a posse direta. Assim, o fato constituiria impedimento ao arrolamento do bem para fins de garantia do crédito tributário sob responsabilidade do arrendatário, uma vez que o art. 4º da Instrução Normativa RFB nº 1.565, de 2015, considera passível de arrolamento apenas os bens integrantes do patrimônio da pessoa física ou do ativo não circulante da pessoa jurídica, desde que sujeitos a registro público.
3. Desse modo, questiona se direito eventual do arrendatário sobre o bem arrendado pode ser objeto de arrolamento, a exemplo do que ocorre na alienação fiduciária (em que é possível arrolar direitos do devedor fiduciante sobre o bem alienado), dado que a Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974, que trata do arrendamento mercantil, não aborda a questão.
4. Cita a Súmula 564 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que versa sobre o direito de o arrendatário receber a respectiva diferença, quando a soma da importância antecipada a título de valor residual garantido (VRG) com o valor da venda do bem, ultrapassar o total do VRG previsto contratualmente, descontando-se o valor de despesas ou encargos que recaírem sobre o bem alienado, previstas no contrato.
5. Apresenta, por fim, os seguintes questionamentos, que são reproduzidos com algumas adaptações:
A) É possível arrolar bens destinados a arrendamento mercantil (Lei n. 6.099/74, com as alterações promovidas pelas leis n. 9.532/1997; 7.132/1983; n. 11.882/2008; e n. 12.024/2009)?
B) Existe direito eventual em qualquer das modalidades de arrendamento mercantil (leasing financeiro, leasing operacional ou leasing de retorno)?
C) A diferença entre a soma da importância antecipada a título de valor residual garantido (VRG) com o valor da venda do bem e o total do VRG previsto contratualmente, conforme a Súmula 564-STJ, constitui direito eventual do arrendatário?
D) Se a diferença a que tem direito o arrendatário constitui direito eventual do arrendatário, nos termos da Súmula 564 do STJ, esse valor é passível de arrolamento?
E) Se a diferença a que tem direito o arrendatário, nos termos da Súmula 564 do STJ, for passível de arrolamento, qual o critério de valoração (expressão econômica) para fins de mensuração da métrica do valor arrolado, a ser informada no Termo de Arrolamento de Bens e Direitos, e onde deve ser registrado o arrolamento do direito eventual?
6. Por esse prisma, alega que a existência de direito eventual do arrendatário demandaria também a aferição desse mesmo valor para fins de arrolamento. Nessa linha, propõe os seguintes critérios de valoração: i) considerar o próprio valor declarado do bem; ii) considerar o valor de avaliação do bem, observadas as modalidades previstas na legislação específica (Lei 9.532, de 1997 e Instrução Normativa RFB 1.565, de 2015); iii) considerar a diferença entre o próprio valor declarado do bem ou o valor de avaliação e o valor da dívida restante para com o credor fiduciário (instituição financeira) no momento do arrolamento; ou iv) considerar a somatória do valor das parcelas já pagas ao credor fiduciário (instituição financeira) no momento do arrolamento.
Fundamentos
7. O arrendamento mercantil (ou leasing financeiro) é um contrato típico regido pela Lei nº 6.099, de 1974, em que atuam o vendedor ou fornecedor do bem, o adquirente e o arrendatário. Nesta modalidade, o interessado, futuro arrendatário, pactua com uma instituição financeira as especificações de um bem que deseja utilizar e que será por ela adquirido, em troca de pagamentos por determinado período, correspondente ao uso do bem. Ao final do contrato, abrem-se três possibilidades para o arrendatário: a entrega do bem à instituição financeira, a prorrogação do contrato ou a aquisição do bem, mediante exercício da opção de compra.
8. A presente Solução de Consulta Interna deixa de responder aos questionamentos relativos ao leasing operacional e ao leasing na modalidade sale and lease back, pois ausente dúvida específica de interpretação da legislação (art. 4º, II, da Portaria RFB nº 1.936, de 6 de dezembro de 2018).
9. A pergunta constante da letra “A” do item 5 pode ser respondida com base na Solução de Consulta Interna Cosit nº 22, de 28 de agosto de 2013, que trata da questão do arrolamento de bens objeto de alienação fiduciária em garantia. De acordo com esta Solução de Consulta: “O bem (móvel ou imóvel) objeto de um contrato de alienação fiduciária não pertence à esfera patrimonial do devedor fiduciante, mas do credor fiduciário, e, portanto, não pode ser arrolado administrativamente ou, ainda, penhorado em sede de execução fiscal”. As razões que fundamentaram a Solução de Consulta Interna Cosit nº 22, de 2013, também podem ser adotadas no caso do arrolamento de bens objeto de arrendamento mercantil, para fins de garantia do pagamento de débito tributário sob a responsabilidade do arrendatário.
10. Vale observar, porém, a seguinte especificidade na hipótese de o bem objeto de leasing financeiro ter sido integralmente quitado. A transferência do bem para o patrimônio do arrendatário, no caso de bem móvel, não depende de registro em órgão próprio, em face da regra de que a tradição transfere a propriedade de coisa móvel. No caso específico do arrendamento mercantil, a tradição é brevi manu, isto é, aquela em que o sujeito que detinha a posse direta passa a ser também proprietário, desde que cumpridas as condições estipuladas no contrato. Nesse sentido a jurisprudência tende a desconsiderar alegações de impossibilidade de penhora por falta de registro da transferência no órgão específico, quando o contrato de arrendamento sobre o bem móvel já tiver sido integralmente quitado, incluído o valor residual contratado:
EXECUÇÃO. REQUERIMENTO DE PENHORA DE DIREITOS DO EXECUTADO SOBRE VEÍCULO OBJETO DE CONTRATO DE LEASING. INDEFERIMENTO EM 1º GRAU. DECISÃO REFORMADA, POR SER POSSÍVEL A CONSTRICÃO, EM CONFORMIDADE COM A PREVISÃO DO ART. 655, X, DO C. P. C. RECURSO PROVIDO.
3. Em face ao exposto, dá-se parcial provimento ao recurso de agravo de instrumento, determinando-se a expedição de ofício ao banco Itaú S. A, a fim de obter informações acerca do cumprimento do contrato de arrendamento mercantil celebrado com o devedor, e, com o advento da resposta, autorizar a penhora sobre o automóvel indicado pela recorrente como de propriedade do recorrido. (12ª Câmara do Extinto 1º TAC/SP Rel. Des. CAMPOS DE MELLO j. 05.09.2000)
11. Outro ponto a ser considerado é que no contrato do leasing financeiro o valor residual garantido (VRG) tem uma natureza de garantia para a empresa arrendadora. No leasing financeiro, a empresa arrendadora é uma instituição integrante do sistema financeiro nacional. Neste caso, o VRG é uma garantia em face da frustação no recebimento do valor mínimo esperado no momento da alienação do bem, podendo ser pago de uma só vez pelo arrendatário (antecipadamente ou ao fim do contrato), ou diluído ao longo das prestações.
12. O VRG não se confunde com a opção de compra, que é o ônus devido pelo arrendatário para exercer o seu direito de aquisição. Mesmo que o VRG seja integralmente antecipado, o arrendatário ainda pode optar por não exercer o seu direito de compra. A antecipação do VRG, portanto, não descaracteriza o contrato de leasing. Neste sentido:
ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. ANTECIPAÇÃO DO PAGAMENTO VR RESIDUAL GARANTIDO. DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA CONTRATUAL PARA COMPRA E VENDA A PRESTAÇÃO. LEI Nº 6.099/1994, ART. 11, § 1º. NÃO OCORRÊNCIA. AFASTAMENTO DA SÚMULA 263/STJ.
1. O pagamento adiantado do Valor Residual Garantido - VRG não implica necessariamente antecipação da opção de compra, posto subsistirem as opções de devolução do bem ou prorrogação do contrato. Pelo que não descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda a prestação.
2. Como as normas de regência não proíbem a antecipação do pagamento do VRG que, inclusive, pode ser de efetivo interesse do arrendatário, deve prevalecer o princípio da livre convenção entre as partes.
3. Afastamento da aplicação da Súmula 263/STJ.
4. Embargos de Divergência acolhidos. (EREsp 213828/RS, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Rel. p/ Acórdão Ministro EDSON VIDIGAL, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/05/2003, DJ 29/09/2003 p. 135)
13. Consolidando este entendimento, o STJ editou a Súmula 293, com a seguinte redação: “A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil”.
14. Os questionamentos constantes das letras “B”, “C” e “D” do item 5 referem-se à existência de direitos eventuais derivados do contrato de arrendamento mercantil, em especial se o valor da diferença a que tem direito o arrendatário, nos termos da Súmula 564 do STJ, constitui direito eventual deste, e se o valor é passível de arrolamento administrativo-fiscal.
15. Ainda que o arrolamento administrativo de bens não seja ato constritivo de bens e direitos, faz-se de interesse citar as disposições do Código de Processo Civil (CPC) sobre o instituto da penhora. O CPC admite penhora sobre diversos bens e direitos, inclusive sobre frutos e rendimentos de bens inalienáveis. Os incisos XII e XIII do art. 835 preveem, respectivamente, a penhora de direitos aquisitivos derivados de alienação fiduciária em garantia e sobre “outros direitos”, a indicar que as possibilidades a que se refere o dispositivo são exemplificativas. Note-se que os Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul proferiram decisões em apelação e agravo de instrumento cujas ementas são transcritas abaixo, que confirmam essa tese também para o arrendamento mercantil:
APELAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA REFUTADO. EMBARGOS À PENHORA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PRECLUSÃO. NULIDADE REFUTADA. MATÉRIA DECIDIDA. EXCESSO EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO. CONSTRIÇÃO LEGÍTIMA DE DIREITOS DO DEVEDOR. ACUIDADE DA SENTENÇA. Cerceamento de defesa: preliminar fundada exclusivamente na irresignação da parte contra a sentença que lhe fora desfavorável. Direito à prova (art. 369, do NCPC) que está sujeito à preclusão, pertinência e necessidade. Inviável a prova em embargos à penhora, sequer postulada na petição inicial, ausentes os requisitos de admissibilidade – inépcia da petição inicial; - Nulidade da citação preclusa – matéria superada por decisão não recorrida ainda na fase de conhecimento – inviável a reiteração de questões há muito exauridas (art. 507, do Código de Processo Civil); - Inadmissível o capítulo do excesso de execução alegado de forma genérica, descumprida a exigência do artigo 525, §4º, do Novo Código de Processo Civil; - Plenamente possível a constrição de bens alienados fiduciariamente ou objeto de arrendamento mercantil. Gravame que não inviabiliza a constrição, que recai sobre os direitos do devedor sobre o veículo (constrição de direitos – artigo 655, do Código de Processo Civil); - Manutenção da decisão por seus próprios e bem lançados fundamentos – artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP; Apelação 1002202-25.2016.8.26.0372; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Monte Mor - 1ª Vara; Data do Julgamento: 23/08/2017; Data de Registro: 25/08/2017)
Agravo de Instrumento - Ação monitória - Decisão que indeferiu bloqueio e penhora sobre direito de veículo cabente ao executado - Veículo com restrição de arrendamento mercantil – Constrição que pode restringir-se aos direitos que o devedor possui sobre o veículo, por força desse contrato. Admissibilidade do bloqueio requerido pela exequente – Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2124423-76.2015.8.26.0000; Relator (a): Thiago de Siqueira; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Sumaré - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/09/2015; Data de Registro: 17/09/2015)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINOU O CANCELAMENTO DA PENHORA QUE RECAI SOBRE AUTOMÓVEL, HAJA VISTA A NOTÍCIA DE QUE O BEM É OBJETO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. IRRESIGNAÇÃO DO EXEQUENTE QUE MERECE ACOLHIDA, PORQUANTO, VIA DE REGRA, NÃO PODE SER OBJETO DE PENHORA O BEM ADQUIRIDO A PRESTAÇÕES PELO EXECUTADO, MEDIANTE REGIME DE LEASING, JÁ QUE AINDA NÃO INCORPORADO DEFINITIVAMENTE AO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR, O QUE, TODAVIA, NÃO IMPEDE A CONSTRIÇÃO SOBRE OS DIREITOS DO EXECUTADO EM RELAÇÃO AO CONTRATO, EM SE TRATANDO DE LEASING, QUE É, NA HIPÓTESE, FORMA DESVIRTUADA DE LOCAÇÃO, POIS, ANTECIPADO O PAGAMENTO DO VALOR RESIDUAL, ELIMINAM-SE AS OPÇÕES DE RENOVAÇÃO DA LOCAÇÃO E DE DEVOLUÇÃO DO BEM, ENCERRANDO AUTÊNTICO CONTRATO DE COMPRA E VENDA A PRESTAÇÕES. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. (TJRJ; Agravo de Instrumento 0052055-11.2009.8.19.0000; Relator: Des. LUIZ FELIPE MIRANDA DE MEDEIROS FRANCISCO; Órgão Julgador: OITAVA CÂMARA CÍVEL; Data do Julgamento: 16/03/2010)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - LEASING - PENHORA SOBRE DIREITOS ADVINDOS DO CONTRATO - ADJUDICAÇÃO - POSSIBILIDADE. Admite-se a constrição dos direitos que o devedor possua sobre um bem dado em garantia em um contrato de arrendamento mercantil, bem como sua adjudicação, desde que se dê ciência ao arrendante, garantindo-lhe o depósito judicial no valor de seu crédito, respondendo pela dívida somente a parte referente aos direitos pertencentes ao arrendatário. (TJMG - Agravo de Instrumento número 1.0372.05.017365-0 001, Relator(a): Des.(a) Lucas Pereira, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/02/2008, publicação da súmula em 18/03/2008).
Ementa: DIREITO PRIVADO NÃO-ESPECIFICADO. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EMBARGOS A PENHORA. CONSTRICÃO DE DIREITOS DO ARRENDATÁRIO SOBRE BEM OBJETO DE CONTRATO LEASING. POSSIBILIDADE. CONTRATO DE LEASING CONFERE DIREITOS TAMBÉM AO ARRENDATÁRIO, EM VIRTUDE DA COBRANÇA ANTECIPADA DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO, POSSIBILITANDO-SE A PENHORA DE TAIS DIREITOS, COM FUNDAMENTO NO ART. 655, X, DO CPC. DOUTRINA E PRECEDENTES DO TJRS. APELAÇÃO PROVIDA. VOTO VENCIDO. (Apelação Cível Nº 70005478912, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 08/05/2003)
16. Na letra “E” do item 5 o consulente indaga sobre a possibilidade de aplicação da Súmula 564 do STJ ao problema de especificação quantitativa do direito eventual do arrendatário. Segundo consta dessa Súmula:
No caso de reintegração de posse em arrendamento mercantil financeiro, quando a soma da importância antecipada a título de valor residual garantido (VRG) com o valor da venda do bem ultrapassar o total do VRG previsto contratualmente, o arrendatário terá direito de receber a respectiva diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos pactuados. STJ. 2ª Seção. Aprovada em 24/02/2016. DJe 29/02/2016.
17. A Súmula 564 refere-se à hipótese em que o contrato de arrendamento mercantil é rescindido por falta de pagamento das contraprestações por parte do arrendatário, depois de terem sido pagos por algum tempo as contraprestações mensais e os valores correspondentes à antecipação do VRG. Nesta hipótese, o arrendador retoma o bem e o vende no mercado, por um valor que, somado às parcelas de VRG já quitadas pelo arrendatário, pode ultrapassar o VRG total inicialmente fixado em contrato. Nesse caso, a diferença a maior é direito do arrendatário, uma vez que ao arrendante cabe apenas o equivalente ao VRG total inicialmente pactuado. Faculta-se, contudo, a dedução das despesas pagas pelo arrendador, contratualmente previstas.
18. À vista disso, é correta a asserção de que a parte excedente ao valor venal do bem somado às parcelas de VRG quitadas pelo arrendatário, deduzido do VRG fixado no contrato e da estimativa das despesas contratuais incidentes na hipótese de alienação, constitui base valorativa para o direito eventual do arrendatário. Esse valor poderá se tornar maior com o decorrer do tempo, à medida que as parcelas vincendas do VRG forem sendo quitadas pelo arrendatário.
19. Assim, o cálculo do direito eventual do arrendatário no contrato de arrendamento dependerá da correta relação entre o valor de venda do bem, o valor total do VRG previamente estipulado em contrato, e as parcelas antecipadas a este título, nos termos da Súmula 564 do STJ.
20. No tocante à possibilidade de arrolamento desse direito eventual, tem-se que a Instrução Normativa RFB nº 1.565, de 2015, é clara no sentido de que o arrolamento deve se dar sobre bens e direitos sujeitos a registro público, aqui entendido em sentido lato, não se limitando às serventias extrajudiciais. Os bens móveis mais suscetíveis de arrolamento são veículos automotores, aeronaves e embarcações, tanto pela expressividade do valor quanto pela facilidade de serem convertidos em dinheiro.
21. Os contratos de arrendamento mercantil que tenham por objeto veículos terrestres automotores devem ser registrados no órgão de trânsito em que estiver licenciado ou registrado o veículo, conforme disposto na Resolução Contran nº 807, de 15 de dezembro de 2020. E o arrendamento mercantil de aeronave deve ser inscrito no Registro Aeronáutico Brasileiro, mediante instrumento público ou particular, nos termos da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986. No caso de embarcações, o procedimento ocorre no órgão de inscrição competente (Tribunal Marítimo ou Capitania dos Portos), nos termos da Lei nº 7.652, de 3 de fevereiro de 1988 e NORMAM-02/DPC/2005, da Diretoria de Portos e Costas da Marinha.
Conclusão
22. Com base no exposto, conclui-se:
a) São passíveis de arrolamento, para fins de acompanhamento de patrimônio suscetível de ser indicado como garantia de crédito tributário, direitos aquisitivos que o arrendatário tenha sobre bem objeto do arrendamento mercantil por força do respectivo contrato.
b) A apuração do valor do direito do arrendatário deve seguir os mesmos critérios adotados para apuração do montante que for a ele devido em caso de alienação do bem, em conformidade com o disposto na Súmula 564 do STJ. Deste modo, o valor passível de arrolamento corresponde ao resultado positivo derivado da soma das parcelas adimplidas pelo arrendatário, a título de valor residual garantido (VRG) mais o valor do bem na data da apuração, deduzido do VRG total previsto no contrato e, sendo o caso, descontado o valor de despesas ou encargos que recaírem sobre o bem alienado, previstas no contrato.
c) O arrolamento dos direitos aquisitivos do arrendatário sobre veículo automotor deve ser comunicado ao órgão de trânsito competente para o licenciamento do veículo ou ao Registro Aeronáutico Brasileiro, em caso de aeronave, para fins de anotação à margem do respectivo registro. No caso de embarcações, o procedimento ocorre no órgão de inscrição competente (Tribunal Marítimo ou Capitania dos Portos), nos termos da Lei nº 7.652, de 3 de fevereiro de 1988 e NORMAM-02/DPC/2005, da Diretoria de Portos e Costas da Marinha.
HUGO TEIXEIRA BRAGA
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
De acordo. Encaminhe-se à Coordenação de Contribuições Previdenciárias e Normas Gerais (Copen).
JEFFERSON FLEURY DOS SANTOS
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Chefe da Dinog
De acordo. Encaminhe-se ao Coordenador-Geral de Tributação.
RODRIGO AUGUSTO VERLY DE OLIVEIRA
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenador da Copen
Aprovo a Solução de Consulta Interna. Divulgue-se e publique-se na forma prevista na Ordem de Serviço Cosit nº 1, de 24 de setembro de 2019, e no artigo 12 da Portaria RFB nº 1.936, de 6 de dezembro de 2018.
CLAUDIA LUCIA PIMENTEL MARTINS DA SILVA
Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenadora-Geral da Cosit
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.