Solução de Consulta Interna Cosit nº 1, de 04 de fevereiro de 2022
(Publicado(a) no Boletim de Serviço da RFB de 18/02/2022, seção 1, página 1)  

Origem COORDENAÇÃO GERAL DE ARRECADAÇÃO E COBRANÇA - CODAC

Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário

SIGILO FISCAL. SIGILO FISCAL. SIGILO FUNCIONAL. FORNECIMENTO DE LISTA NOMINAL DE EMPREGADOS DE EMPRESAS DETERMINADAS A ÓRGÃOS PÚBLICOS FEDERAIS, ESTADUAIS OU MUNICIPAIS.

O fornecimento de lista com nomes de empregados de empresas determinadas a órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, para fins de apuração de fatos de seu interesse,  configura ofensa ao sigilo fiscal previsto no art. 198 do Código Tributário Nacional, por terem tais informações conteúdo apto a revelar a situação econômica ou financeira da empresa ou do empregado, ou o estado de seus negócios ou atividades.

Os vínculos empregatícios são considerados dados cadastrais e podem ser fornecidos a órgãos públicos federais, nos limites do previsto no Decreto nº 10.046, de 2019.

Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 1966, art. 198; Lei nº 8.112, de 1990, art. 116, inciso VIII; Lei nº 12.527, de 2011; Decreto nº 10.046, de 2019, art. 2º; Decreto nº 7.724, de 2012; Decreto nº 8.373, de 2013, art. 8º; e Portaria RFB nº 2.344, de 2011, art. 2º; Instrução Normativa SRF nº 19, de 1998.

Relatório
A Coordenação de Arrecadação e Cobrança (Codac), tendo por base o art. 2º da Portaria RFB nº 2.217, de 19 de dezembro de 2014 (revogada pela Portaria RFB nº 1.936, de 6 de dezembro de 2018), apresentou consulta sobre sigilo fiscal ou sigilo funcional a envolver o fornecimento de lista nominal de empregados de determinada empresa a órgãos públicos federais, estaduais ou municipais.
2. Relatou que órgãos públicos federais, estaduais e municipais apresentam solicitações de informações relativas à quantidade e aos nomes de empregados de determinada empresa em um período delimitado, a fim de apurar fatos relacionados às atividades institucionais do órgão. Observou que muitas das informações solicitadas não se enquadram no inciso II do § 1º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (CTN), pois o órgão solicitante não comprova a instauração de processo administrativo em nome da pessoa a quem elas se referem. Nesse caso, a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB) ficaria impedida de fornecer as informações, caso se entenda que os dados se referem à situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros.
3. Observou ainda que há informações que, embora possam não estar protegidas pelo sigilo fiscal, sua divulgação é vedada pelo sigilo funcional a que se refere o inciso VIII do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que impõe ao servidor o dever de “guardar sigilo sobre assunto da repartição”. Por fim, resumiu seus questionamentos nestes termos:
a) as informações relativas à relação de empregados de uma determinada pessoa jurídica que revelem o número de empregados e/ou seus respectivos nomes estão protegidas pelo sigilo fiscal?
b) não sendo caso de sigilo fiscal, haveria impedimento ao fornecimento dessas informações com base no sigilo funcional de que trata o inciso VIII do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990?
4. A consulente apresentou seu entendimento sobre as questões apresentadas. Afirmou que informações que revelem o número e os nomes de empregados de determinada pessoa jurídica “não estão protegidas pelo sigilo fiscal por se enquadrarem como informações cadastrais”. E quanto à segunda questão, afirmou que “Tais informações não devem ser divulgadas externamente em razão do sigilo funcional. O sigilo funcional, no entanto, é preservado no caso de compartilhamento de informações com órgãos ou entidades da administração pública federal, estadual ou municipal”.
Fundamentos
5. O art. 198 Código Tributário Nacional (CTN) veda a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, “de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”. E o inciso II do § 1º desse mesmo artigo diz que a vedação contida no caput do art. 198 não se aplica às requisições de autoridade judiciária nem às solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, “desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa”.
6. A vedação refere-se à “divulgação”, que é o ato praticado por servidor ou pela instituição e que consiste em tornar público, publicar, difundir ou tornar disponível a quem queira tomar conhecimento. O que é vedado, portanto, é a divulgação irrestrita e injustificável de informações que revelem a situação econômica ou financeira da pessoa ou o estado de seus negócios ou atividades, para fins ilícitos ou para atender a pessoas ou grupos que não comprovam legítimo interesse nas informações.
7. Quanto ao conteúdo, a informação cuja divulgação é vedada é a que pode revelar a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros, ou pode identificar a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. A situação econômica refere-se ao patrimônio da pessoa, assim considerado o conjunto de bens, direitos e obrigações. Situação financeira refere-se ao estado de solvência, ao endividamento e à capacidade de pagamento em dado momento. Por fim, a natureza do negócio ou atividade indica o tipo de atividade ou ramo de negócios, enquanto o estado desses negócios é indicado pela situação de solvabilidade da empresa e seu conceito perante o mercado, que são resultados da capacidade empresarial de seu dirigente.
8. A Consulta refere-se à possibilidade de fornecimento de lista nominal de empregados de empresas determinadas a órgãos públicos federais, estaduais ou municipais. A informação revela, ainda que indiretamente, os contratos e obrigações da empresa e o estado de seus negócios ou atividades no que está amparada pelo sigilo fiscal a que se refere o art. 198 do CTN.
8.1. Acrescente-se que a Portaria RFB nº 2.344, de 24 de março de 2011, que disciplina o acesso a informações protegidas pelo sigilo fiscal constantes de sistemas informatizados da RFB, traz em seu art. 2º um rol exemplificativo dessas informações, assim como suas exceções:
Art. 2º São protegidas por sigilo fiscal as informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para fins de arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros, tais como:
I - as relativas a rendas, rendimentos, patrimônio, débitos, créditos, dívidas e movimentação financeira ou patrimonial;
II - as que revelem negócios, contratos, relacionamentos comerciais, fornecedores, clientes e volumes ou valores de compra e venda;
III - as relativas a projetos, processos industriais, fórmulas, composição e fatores de produção.
§ 1º Não estão protegidas pelo sigilo fiscal as informações:
I - cadastrais do sujeito passivo, assim entendidas as que permitam sua identificação e individualização, tais como nome, data de nascimento, endereço, filiação, qualificação e composição societária;
II - cadastrais relativas à regularidade fiscal do sujeito passivo, desde que não revelem valores de débitos ou créditos;
9. Por outro lado, em relação aos vínculos empregatícios, a dúvida pode ser respondida com base no art. 2°, I, e III, “a”, do Decreto nº 10.046, de 9 de outubro de 2019, que dispõe sobre a governança no compartilhamento de dados no âmbito da administração pública federal e institui o Cadastro Base do Cidadão e o Comitê Central de Governança de Dados, e no art. 2º da Portaria RFB nº 2.344, de 2011, segundo os quais:
Art. 2º São protegidas por sigilo fiscal as informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, obtidas em razão do ofício para fins de arrecadação e fiscalização de tributos, inclusive aduaneiros, tais como:
(...)
§ 1º Não estão protegidas pelo sigilo fiscal as informações:
I - cadastrais do sujeito passivo, assim entendidas as que permitam sua identificação e individualização, tais como nome, data de nascimento, endereço, filiação, qualificação e composição societária;
(...)
§ 2º A divulgação das informações referidas no § 1º caracteriza descumprimento do dever de sigilo funcional previsto no art. 116, inciso VIII, da Lei Nº 8.112, de 1990.
Art. 2º Para fins deste Decreto, considera-se:
I - atributos biográficos - dados de pessoa natural relativos aos fatos da sua vida, tais como nome civil ou social, data de nascimento, filiação, naturalidade, nacionalidade, sexo, estado civil, grupo familiar, endereço e vínculos empregatícios;
(...)
III - dados cadastrais - informações identificadoras perante os cadastros de órgãos públicos, tais como:
a) os atributos biográficos;
(...)
(grifou-se)
10. Portanto, conforme os dispositivos acima transcritos, vê-se que dados relativos a vínculos empregatícios são considerados dados cadastrais, conforme prevê o disposto no art. 2°, I, e III, “a”, do Decreto nº 10.046, de 2019, não estando, portanto, sujeitos ao sigilo fiscal, nos termos do § 1º do art. 2º da Portaria RFB nº 2.344, de 2011, mas estando sujeitos ao sigilo funcional, nos termos do § 2º do referido dispositivo.
11. Ainda, em relação ao compartilhamento de dados no âmbito do Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), o Decreto 8.373, de 11 de dezembro de 2014, prevê a possibilidade de acesso aos dados de empregados e empregadores constantes no E-social sob a condição de que o uso das informações ocorra nos limites das competências e atribuições de cada órgão:
Art. 8º A Caixa Econômica Federal, na qualidade de agente operador do FGTS, o Instituto Nacional do Seguro Social, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, o Ministério da Previdência Social e o Ministério do Trabalho e Emprego regulamentarão, no âmbito de suas competências, sobre o disposto neste Decreto.
§ 1º O eSocial não implica, em qualquer hipótese, transferência de atribuições e competências entre os órgãos ou entidades partícipes, nem transferência ou compartilhamento de propriedade intelectual de produtos não abrangidos por esse sistema.
§ 2º Os integrantes do Comitê Gestor terão acesso compartilhado às informações que integram o ambiente nacional do eSocial e farão uso delas no limite de suas respectivas competências e atribuições, não podendo transferi-las a terceiros ou divulgá-las, salvo previsão legal.
§ 3º As informações de natureza tributária e do FGTS observarão as regras de sigilo fiscal e bancário, respectivamente.
12. Assim, fora das hipóteses específicas previstas na legislação, os dados sobre lista de empregados de uma empresa, quando permitam identificar o sujeito passivo encontram-se protegidos por sigilo fiscal.
13. A proteção pelo sigilo fiscal da lista de empregados de uma empresa não afasta a possibilidade de fornecimento de dados sobre número de empregados de determinado setor econômico de forma agregada, o que possui amparo nas regras previstas pelas Instruções Normativas SRF nº 19 e nº 20, ambas de 17 de fevereiro de 1998. Tampouco está afastada a possibilidade, no que toca aos órgãos e as entidades compõem a União, de fornecimento de informações sobre vínculos empregatícios, nos limites do Decreto nº 10.046, de 2019.
14. Voltando-se à análise da IN SRF n° 19, de 17 de fevereiro de 1998, observa-se que esta determina a possibilidade de a RFB fornecer dados econômico-fiscais às entidades da Administração Pública, desde que seja de forma agregada e não possibilite a identificação do sujeito passivo, conforme o art. 10, transcrito a seguir:
Art. 10. O disposto nesta Instrução Normativa se aplica, também, ao fornecimento de dados econômico-fiscais, que devem ser apresentados de forma agregada, vedada a possibilidade de identificação de contribuintes.
15. Observa-se, por fim, que o direito de receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral previsto no inciso XXXIII do art. 5º da Constituição, regulado pela Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, não inclui o fornecimento de lista nominal de empregados de determinada empresa, pois isso configuraria descumprimento do dever de sigilo fiscal disposto no artigo 198 do CTN. Não inclui, tampouco, o fornecimento de informações sobre vínculos empregatícios, o que configuraria descumprimento do § 2º do art. 5º do Decreto nº 7.724, de 2012 (regulamentou a Lei 12.527, de 2011), que veda a divulgação ou o fornecimento de informações, ou mesmo o acesso a elas, relativas à atividade empresarial de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, por representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos.
Conclusão
16. Com base no exposto, conclui-se que:
16.1. O fornecimento de lista com nomes de empregados de empresas determinadas a órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, para fins de apuração de fatos de seu interesse, configura ofensa ao sigilo fiscal previsto no art. 198 do Código Tributário Nacional, por terem tais informações conteúdo apto a revelar a situação econômica ou financeira da empresa ou do empregado, ou o estado de seus negócios ou atividades.
16.2. Os vínculos empregatícios são considerados dados cadastrais e podem ser fornecidos a órgãos públicos federais, nos limites do previsto no Decreto nº 10.046, de 2019.
MILENA REBOUÇAS NERY MONTALVÃO
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Disit/SRRF05 (Portaria RFB nº 1.936, de 2018)
SÉRGIO AUGUSTO TAUFICK
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Divisão de Normas Gerais de Direito Tributário
De acordo. Encaminhe-se à Coordenação de Contribuições Previdenciárias e Normas Gerais (Copen).
JEFFERSON FLEURY DOS SANTOS
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Chefe da Divisão de Normas Gerais de Direito Tributário
De acordo. Encaminhe-se ao Coordenador-Geral de Tributação.
RODRIGO AUGUSTO VERLY DE OLIVEIRA
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenador de Contribuições Previdenciárias e Normas Gerais
Aprovo a Solução de Consulta Interna. Divulgue-se e publique-se na forma prevista nos §§ 2º e 5º do art. 8º da Ordem de Serviço Cosit nº 1, de 24 de setembro de 2019, e do art. 12 da Portaria RFB nº 1.936, de 6 de dezembro de 2018.
CLÁUDIA LÚCIA PIMENTEL MARTINS DA SILVA
Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenadora-Geral de Tributação
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.