Parecer Cosit nº 27, de 13 de fevereiro de 1996
( 13/02/1996)  

Ementa: A opção pela via judicial, instância autônoma e superior, no curso do processo administrativo fiscal, importa renúncia as instâncias administrativas, tornando definitiva, nesse âmbito, a exigência do crédito tributário em litígio ou a decisão recorrida, conforme o caso.

(Revogado(a) pelo(a) Parecer Normativo Cosit nº 7, de 22 de agosto de 2014)
Perquire-se, a propósito do disposto no parágrafo único do art. 62 do D. 70.235/72, sobre qual o tratamento a ser dispensado ao processo fiscal que esteja tramitando na fase administrativa, quando o contribuinte opta pela via judicial.
2. Prescrevem os dispositivos citados:
"Art. 62. Durante a vigência de medida judicial que determinar a suspensão da cobrança do tributo não será instaurado procedimento fiscal contra o sujeito passivo favorecido pela decisão, relativamente a matéria sobre que versar a ordem de suspensão.
"Parágrafo único. Se a medida referir-se a matéria objeto de processo fiscal o curso deste não será suspenso exceto quanto aos atos executórios." (nosso grifo)
3. Por pertinentes, transcreve-se também os seguintes dispositivos do Decreto-lei nº 1.737/79 e da Lei nº 6.830/80:
Do Decreto-lei nº 1.737/79
"Art. 1º - Serão obrigatoriamente efetuados na Caixa Econômica Federal, em dinheiro ou em Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional -ORTN, ao portador, os depósitos:
"I - ...
"II - em garantia de execução fiscal proposta pela Fazenda Nacional;
"III - em garantia de crédito da Fazenda Nacional, vinculado à propositura de ação anulatória ou declaratória de nulidade de débito;
"IV - ...
"§ 1º - O depósito a que se refere o inciso III, do art. 1º, suspende a exigibilidade do crédito da Fazenda Nacional e elide a respectiva inscrição de Dívida Ativa.
"§ 2º - A propositura, pelo contribuinte, de ação anulatória ou declaratória da nulidade do crédito da Fazenda importa em renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto."
Da Lei nº 6.830/80
"Art. 38. A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.
"Parágrafo único. A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto."
4 A presente questão, isto é, as conseqüências do ingresso do contribuinte em Juízo, no curso do processo administrativo fiscal, já foi objeto de minudente estudo pela PGFN, evidenciado no Parecer em Processo nº 25.046, de 22.09.78 (DOU de 10.10.78), em anexo.
5. O mencionado Parecer foi elaborado em decorrência dos seguintes fatos, em síntese:
5.1 - O Conselho de Contribuintes, ao julgar recurso interposto, tendo tomado conhecimento de que o contribuinte ingressara em juízo com uma ação anulatória do auto de infração que dera origem ao processo, por maioria de votos, decidiu no sentido de conhecer do recurso, deixando, no entanto, de apreciar o mérito por perda do objeto, posto que o aspecto legal da incidência encontrava-se sob a tutela do Poder Judiciário.
5.2 - O Senhor Procurador da Fazenda Nacional junto ao CC, em conformidade com a legislação então vigente (art. 37, § 1º, do D. 70.235/72), recorreu ao Senhor Ministro da Fazenda do acórdão supracitado, por entender que, em consonância com o disposto no art. 151, III do CTN, bem como os arts. 14 e seguintes do D. 70.235/72, deveria haver, na espécie, o julgamento do mérito.
6. Após transcrever elucidativas manifestações de outras autoridades envolvidas na lide, o Procurador da Fazenda Nacional PEDRYLVIO FRANCISCO GUIMARÃES FERREIRA expendeu lúcidas considerações e conclusões, das quais transcrevo as seguintes:
"30. O Decreto nº 70.235, de 6/3/72, contém as normas processuais da fase contenciosa administrativa. No pressuposto de que ocorra, já aí, a inconformidade do contribuinte.
"31. O art. 62, desse Decreto, dispõe apenas sobre a suspensão da execução. E o parágrafo único permite, a par da existência de pretensão formulada em Juízo, que se complete a individualização da obrigação, fazendo nascer o título. Existindo este, materializado e individualizado, estaria finda a fase administrativa. Esta só se prolonga em razão do recurso voluntário facultado ao contribuinte.
"32. Todavia, nenhum dispositivo legal ou princípio processual permite a discussão paralela da mesma matéria em instâncias diversas, sejam elas administrativas ou judiciais ou uma de cada natureza.
"33. Outrossim, pela sistemática constitucional, o ato administrativo está sujeito ao controle do Poder Judiciário, sendo este último, em relação ao primeiro, instância superior e autônoma. SUPERIOR, porque pode rever, para cassar ou anular, o ato administrativo; AUTÔNOMA, porque a parte não está obrigada a percorrer, antes, as instâncias administrativas, para ingressar em Juízo. Pode fazê-lo diretamente.
"34. Assim sendo, a opção pela via judicial, importa, em princípio, em renuncia às instâncias administrativas ou desistência de recurso acaso formulado.
"35. Somente quando a pretensão judicial tem por objeto o próprio processo administrativo (v.g. a obrigação de decidir da autoridade administrativa; a inadmissão de recurso administrativo, válido, dado por intempestivo, ou incabível por falta de garantia, ou outra razão análoga) é que não ocorre renúncia a instância administrativa, pois ai o objeto do pedido judicial é o próprio rito do processo administrativo.
"36. Inadmissível, porém, por ser ilógica e injuridica, é a existência paralela de duas iniciativas, dois procedimentos, com idêntico objeto e para o mesmo fim.
"37. Portanto, desde que a parte ingressa em Juízo contra o mérito da decisão administrativa - contra o título materializado da obrigação - essa opção via superior e autônoma importa em desistência de qualquer eventual recurso porventura interposto na instância inferior."
7. O Sub-procurador-Geral da Fazenda Nacional de então, o Dr. CID HERÁCLITO DE QUEIROZ, subscreveu tais considerações e conclusões, aditando outras, que reproduzo em parte:
"11. Nessas condições, havendo fase litigiosa instaurada - inerente à jurisdição administrativa -, pela impugnação da exigência (recurso latu sensu) seguida, ou mesmo antecedida, de propositura de ação judicial, pelo contribuinte, contra a Fazenda, objetivando, por qualquer modalidade processual - ordenatória, declaratória, ou de outro rito -, a anulação do crédito tributário, o processo administrativo fiscal deve ter prosseguimento - exceto na hipótese de mandado de segurança, ou medida liminar, específico - até a inscrição de Dívida Ativa, com decisão formal da instância em que se encontre, declaratória da definitividade da decisão recorrida, sem que o recurso (latu sensu) seja conhecido, eis que dele terá desistido o contribuinte, ao optar pela via judicial.
"12. Essa, aliás, a linha doutrinária adotada pelo Egrégio Segundo Conselho de Contribuintes, presidido pelo culto Dr. Haroldo Braga Lobo.
"13. Conseqüentemente, o recurso do Digno Procurador da Fazenda Nacional deve ser conhecido, para reformar o Acórdão da 1ª Câmara do Egrégio Primeiro Conselho de Contribuintes, não, porém, para ordenar ao colegiado que aprecie o recurso no mérito, mas a fim de declarar definitiva a decisão da primeira instância, pois a opção do contribuinte pela via judicial - no caso, propositura de ação ordinária objetivando a anulação do débito fiscal - importa em renúncia a via administrativa e, portanto, em desistência do recurso interposto no processo administrativo fiscal.
"14. Restitua-se o processo ao Senhor Secretário-Geral deste Ministério."
8 Em seguimento, o Senhor Secretário Geral, por delegação de competência do Senhor Ministro da Fazenda, adotou o Parecer da PGFN, reformando o Acórdão do 1º CC em comento, segundo o despacho abaixo:
"Pelos fundamentos expostos no Parecer da Douta Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que adoto, e no uso da competência que me foi delegada pelo inciso II, nº 5, da Portaria nº 300, de 13/8/75, do Exmo. Sr. Ministro da Fazenda, conheço do recurso interposto pelo Sr. Procurador da Fazenda Nacional, para reformar o Acórdão da 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes, não, porém para que o colegiado aprecie, no mérito, o recurso que lhe foi dirigido, mas a fim de declarar definitiva a decisão de primeira instância, pois a opção do contribuinte pela via judicial importa em renúncia à via administrativa e, portanto, em desistência do recurso interposto no processo administrativo fiscal. Publique-se, juntamente com o referido parecer, e restitua-se o processo ao 1º Conselho de Contribuintes.
9. Como visto, a questão proposta, sob todos os seus aspectos, foi brilhantemente abordada e aclarada pelo Parecer focalizado, restando examinar, todavia, se suas conclusões teriam sido afetadas (a) pela Constituição de 1988, ou (b) pela legislação superveniente (transcrita no item 3 retro).
10. Nos dois casos, a meu ver, a resposta é negativa.
11. Sob o ângulo constitucional, não vislumbramos qualquer ofensa ao direito de petição, estabelecido na letra "a" do inciso XXXIV do art. 5º. A Lei Maior não confere, nem poderia, o direito de utilização simultânea das esferas administrativa e judicial. Ao contrário, prevê a prevalência desta última quando escolhida pelo contribuinte (inciso XXXV do mesmo art. 5º).
12. Quanto às disposições referidas do Decreto-lei nº 1.737/79 e da Lei nº 6.830/80, demonstram tão somente, penso, a evolução das idéias contidas no § 3º do art. 20 do Decreto-lei nº 147/67 (repetido no item 10 do Parecer da PGFN), relativas às conseqüências da propositura de ação anulatória de débito, sem o depósito correspondente, existente o processo administrativo fiscal respectivo. As mencionadas disposições, aliás, apenas convalidam as conclusões do Parecer em tela (induzindo, até, por seu teor, a que se julgue terem sido influenciadas por este último), ampliando os efeitos do depósito a outras ações que não a anulatória e reafirmando a impossibilidade da discussão paralela nas duas esferas.
13. Compete, ainda, o exame do seguinte aspecto: optando o contribuinte pela esfera judicial e, nessa, tendo se decidido pela extinção do processo sem julgamento do mérito, retornar-se-ia ao julgamento administrativo da lide? Entendo que não. A renúncia às instâncias administrativas, configurada na opção pela via judicial é definitiva, insuscetível de retratação. Até porque, embora anormal, conforme assinala a doutrina (em contraposição à forma normal de término dos processos: com julgamento do mérito), é uma das duas formas possíveis de extinção do processo, colocadas lado a lado no Código de Processo Civil, respectivamente nos seus artigos 267 e 269.
13.1 - "O ato do juiz, decretando a extinção do processo, sem o julgamento do mérito, tem o caráter de sentença - sentença terminativa - e é impugnável por via de apelação (Código cit. art. 513)" (MOACYR AMARAL SANTOS, "Primeiras Linhas de Direito Processual Civil", 2º Vol., ed. 1977, nº 382). E, conforme previsto no art. 268 do mesmo Código, em determinadas circunstâncias, "a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação."
13.2 - As hipóteses que determinam a extinção do processo, sem julgamento do mérito, previstas nas alíneas do art. 267, do CPC, constituem, na verdade, questões preliminares que, se verificadas, impedem o exame do mérito. Situação similar é igualmente prevista no art. 28 do Decreto nº 70.235/72 ("Na decisão que em que for julgada questão preliminar, será também julgado o mérito, salvo quando incompatíveis...").
13.3 - É ônus do contribuinte, portanto, ter propiciado a ocorrência de extinção do processo na forma do art. 267 do CPC, e também neste caso, por conseguinte, é irreversível a renúncia à via administrativa, materializada pela escolha do caminho judicial.
14. Ressalve-se, destarte, a possibilidade de alteração do lançamento por iniciativa de oficio da autoridade administrativa do órgão onde se encontra o processo, nas situações previstas no inciso III do art. 146, combinado com o art. 149, incisos I a IX, todos do CTN.
14.1 - Sublinhe-se que a modificação da exigência produzida com amparo nos dispositivos legais supranomeados, não configura ato jurisdicional, não representa julgamento, e se justifica nos princípios que informam o processo administrativo-fiscal (no caso, os princípios da legalidade e o da verdade material).
14.2 - A aplicação das disposições do art. 149 do CTN, portanto, tem por efeito sobrestar a inscrição do débito - por respeito, inclusive, ao estabelecido no § 3º do art. 1º da Lei nº 6.830/80: "A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade até o pronunciamento do Judiciário, que poderá, eventualmente, contemplar as hipóteses aventadas pelas referidas prescrições do Código Tributário.
15. Diante do exposto, pode-se concluir que:
a) a proprositura pelo contribuinte, contra a Fazenda, de ação judicial - por qualquer modalidade processual -, antes ou posteriormente à autuação, com o mesmo objeto, importa a renúncia às instâncias administrativas, ou desistência de eventual recurso interposto;
b) conseqüentemente, quando diferentes os objetos do processo judicial e do processo administrativo, este terá prosseguimento normal no que se relaciona à matéria diferenciada (p.ex., aspectos formais do lançamento, base de cálculo etc);
c) no caso da letra "a", a autoridade dirigente do órgão onde se encontra o processo não conhecerá de eventual petição do contribuinte, proferindo decisão formal, declaratória da definitividade da exigência discutida ou da decisão recorrida, se for o caso, encaminhando o processo para a cobrança do débito, ressalvada a eventual aplicação do disposto no art. 149 do CTN (item 17);
d) na hipótese da alínea anterior, não se verificando a ressalva ali contida, proceder-se-á a inscrição em dívida ativa, deixando-se de fazê-lo, para aguardar o pronunciamento judicial, somente quando demonstrada a ocorrência do disposto no inciso II (depósito do montante integral do débito) ou IV (concessão de medida liminar em mandado de segurança), do art. 151, do CTN;
e) é irrelevante, na espécie, que o processo tenha sido extinto, no Judiciário, sem julgamento do mérito (art. 267 do CPC).
À consideração superior.
CARLOS ALBERTO DE NIZA E CASTRO AFTN Matrícula nº 2425865-5
Concordo.
Encaminhe-se cópias às Superintendências Regionais da Receita Federal para conhecimento e demais providências.
PAULO BALTAZAR CARNEIRO Coordenador-Geral do Sistema de Tributação
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.