Parecer PGFN nº 3401, de 31 de outubro de 2002
(Publicado(a) no DOU de 02/01/2003, seção 1, página 5)  

Declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso. Não-suspensão da execução da lei pelo Senado Federal. Irreversibilidade das sentenças transitadas em julgado em favor da União (Fazenda Nacional), a não ser em procedimento revisional rescisório, quando cabível. Necessidade de provimento judicial para repetição ou compensação em relação à terceiro eventualmente prejudicado.

I HISTÓRICO
A PROCURADORIA REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL 4ª Região, bem como a PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL encaminham a esta Coordenação-Geral da Representação Judicial, respectivamente, manifestações dos Procuradores Dolizete Fátima Michelin, em resposta à consulta feita pela Delegacia da Receita Federal em JoaçabaSC, e Luiz Fernando Jucá Filho, em resposta à consulta formulada pelo Sr. Superintendente Regional da Receita Federal na 10ª Região Fiscal, ambas referentes à aplicação da NOTA/MF/SRF/COSIT/Nº 11/2000, sobre os efeitos de sentença transitada em julgado, favorável à União, proferida em controle difuso de constitucionalidade.
2. Nas referidas consultas, indaga-se acerca da possibilidade de restituição, aos contribuintes, ou compensação dos valores por eles recolhidos (a maior), em decorrência de majoração da alíquota do FINSOCIAL. É que, em decorrência de sentenças transitadas em julgado, favoráveis à União (Fazenda Nacional), esses contribuintes efetuaram pagamento espontâneo, ou parcelaram seus débitos, ou tiveram os depósitos, então efetuados para suspender a exigibilidade do crédito tributário, convertidos em renda da União, extinguindo-se, dessa forma, o crédito objeto da disputa judicial.
3. O cerne das indagações centra-se nos efeitos da posterior declaração de inconstitucionalidade das normas, no âmbito do controle difuso, ou seja, na hipótese em que, no plano pessoal, enquanto não for suspensa a execução da norma inquinada do vício de inconstitucionalidade pelo Senado Federal, alcança apenas as partes litigantes.
4. A Delegacia da Receita Federal, em Joinville, na consulta que ensejou a Nota/COSIT nº 11/2000, manifestou-se no sentido de que, "a partir do momento em que o legislador dispensou a formalização dos créditos tributários, relativamente ao Finsocial devido pelas alíquotas excedentes a 0,5%, tal disposição alcançou a todas as empresas comerciais e industriais, com atividades voltadas para a venda de mercadorias ou para a atividade mista, entendida esta como a venda de mercadorias aliada à prestação de serviços, tenham ou não ingressado com ações judiciais, com decisão favorável ou contrária, tenha sido o valor pago ou depositado".
5. O entendimento manifestado na Nota/COSIT nº 11/2000 é no sentido de que o FINSOCIAL, com base em alíquotas majoradas, tornou-se inexigível pelo comando do art. 17 da Medida Provisória nº 1.110/95, atual (em 12.6.2000) art. 18 da Medida Provisória nº 1973, de 10.12.1999, que em subseqüente reedição recebeu o nº 2.176-79, de 23.08.2001, convertida, posteriormente, na Lei nº 10.522, de 19.07.2002.
6. Por conta disso, conclui a Nota, fincada no inciso III do art. 18 da MP- 1.973/99, reeditada com o nº 2.176-79/2001, hoje, Lei nº 10.522/2002, que "o referido diploma legal, ao dispensar a constituição daqueles créditos, não excetuou os casos de sentença judicial transitada em julgado favorável à cobrança do Finsocial às alíquotas majoradas".
7. A manifestação da Procuradora da Fazenda Nacional, em resposta à consulta que ensejou a Nota COSIT nº 11/2000, concluiu no sentido de que:
a) o art. 18 da MP nº 1.973/99, reeditada com o nº 2.17679/2001, hoje, Lei nº 10.522/2002, não tem o alcance que lhe atribuiu a NOTA MF/SRF/COSIT/Nº 11/2000, não sendo passíveis de restituição os valores convertidos em renda da União em face do trânsito em julgado de decisão desfavorável ao contribuinte;
b) "o termo inicial para a contagem do prazo decadencial, de que trata o art. 168 do CTN, é a data do efetivo depósito e não da conversão em renda da União".
8. Por seu turno, o Parecer SDF/PFN/RS/Nº 399/2001, elaborado no âmbito da douta Procuradoria da Fazenda Nacional no Estado do Rio Grande do Sul, visando a solucionar hipótese idêntica, concluiu no sentido de que "De todo o exposto pode-se concluir que o atual artigo 18, da Medida Provisória nº 2.176-78, de 26/07/2001, não tem o alcance que lhe deu a Nota MF/SRF/COSIT nº 11, de 05/01/2000. Assim, não são passíveis de restituição ou compensação quaisquer valores recolhidos aos cofres da União a título de FINSOCIAL, nos casos em que exista coisa julgada favorável à União".
9. Por sugestão do Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional, diante da relevância do tema, o expediente veio a esta Coordenação-Geral da Representação Judicial, por intermédio do MEMO nº 158.4, registrado sob o nº 5314/2001, para elaboração de Parecer destinado à orientação da Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional na 4ª Região, à Procuradoria da Fazenda Nacional no Estado do Rio Grande do Sul, bem como às demais unidades da Procuradoria da Fazenda Nacional.
II OS FATOS
10. A Contribuição ao FINSOCIAL, exigida à alíquota de 0,5%, sofreu majoração, mediante adicional de 0,5%. As empresas exclusivamente vendedoras de mercadoria e mistas recorreram à Justiça.
11. Parte dos contribuintes não logrou êxito na justiça. As decisões (sentença, acórdão) a eles desfavoráveis transitaram em julgado. Em decorrência, alguns efetuaram pagamento espontâneo, uns fizeram parcelamento, outros tiveram convertidos em renda da União os depósitos efetuados para suspensão da exigibilidade do crédito objeto da disputa judicial.
12. Outros contribuintes, que ingressaram em juízo, como lograram êxito, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 150.764/PE, declarou a inconstitucionalidade da norma que majorou, em 05%, a alíquota da Contribuição para o FINSOCIAL, afastando a exigência do adicional para as empresas exclusivamente vendedoras de mercadorias e mistas.
13. Foi editada a Medida Provisória nº 1.973/99, reeditada com o nº 2.176-79/2001, hoje, Lei nº 10.522/2002, dispondo, in verbis:
"Art. 18. Ficam dispensados a constituição de créditos da Fazenda Nacional, a inscrição como Dívida Ativa da União, o ajuizamento da respectiva execução fiscal, bem assim cancelados o lançamento e a inscrição, relativamente:
(...)
III - à contribuição ao Fundo de Investimento Social-FINSOCIAL, exigida das empresas exclusivamente vendedoras de mercadorias e mistas, com fundamento no art. 9º da Lei nº 7.689, de 1988, na alíquota superior a zero vírgula cinco por cento, conforme Leis nºs 7.787, de 30 de junho de 1989, 7.894, de 24 de novembro de 1989, e 8.147, de 28 de dezembro de 1990, acrescida do adicional de zero vírgula um por cento sobre os fatos geradores relativos ao exercício de 1988, nos termos do art. 22 do Decreto-Lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987;
(...)
§ 3 o O disposto neste artigo não implicará restituição ex officio de quantia paga."
III O DIREITO
14. No dizer de Flávia Caldeira Brant Ribeiro de Figueiredo (Controle de Constitucionalidade: Coisa Julgada em Matéria Tributária, Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2000, p. 12), no campo do Direito Tributário, a questão do controle de constitucionalidade da lei ou ato normativo é envolvente, por incidir diretamente na relação fiscocontribuinte. Um dos pontos mais polêmicos refere-se aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de determinada lei, até então considerada válida no mundo jurídico, devendo-se indagar qual a situação do contribuinte que já tenha recolhido aos cofres públicos determinada exação que, posteriormente, é declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
15. Neste parecer, a princípio, dois temas parecem centralizar a discussão, quais sejam: coisa julgada e decadência. Quanto à primeira (coisa julgada), salvo melhor juízo, o foco de discussão deve voltarse para a eficácia da sentença, pois, na escorreita lição de Ovídio Batista da Silva 1 , há diferença entre coisa julgada e eficácia da sentença. A coisa julgada define a relação processual, sendo obrigatória para os efeitos desta, mas, "como todo ato jurídico relativamente às partes entre as quais intervém, a sentença existe e vale com respeito a todos".
16. Demonstra ele que os efeitos diretos da sentença são sempre erga omnes, entendendo-os "como todas as eficácias que sejam imanentes à própria sentença, com virtualidades da demanda de que elas ressaltam. Esses efeitos diretos atingem tanto as partes como a terceiros e nada têm a ver com o fenômeno da coisa julgada" 2 . Ou seja, para esse doutrinador, os efeitos diretos da sentença, quais sejam, todas as eficácias que sejam imanentes à própria sentença, são sempre erga omnes e atingem tanto as partes como a terceiros e nada têm a ver com o fenômeno da coisa julgada.
17. Coisa julgada, afirma o autor acima citado, quer significar "a imutabilidade do que foi declarado pelo juiz, no sentido de que nem as partes podem, validamente, dispor de modo diverso, transacionando sobre o sentido da declaração contida na sentença nem os juízes, em futuros processos, poderão modificar, ou sequer reapreciar, essa declaração" 3 .
18. Concernente ao controle de constitucionalidade, ensina a doutrina que, na via de defesa, a alegação de inconstitucionalidade surge por incidente em processo judicial, sendo levantada e discutida na medida em que seja relevante para a solução do caso. O interessado, destarte, defende-se contra a aplicação de uma lei inconstitucional, mas essa norma permanece válida em relação a terceiros, contra quem continua produzindo efeitos normais 4 .
19. Na via de defesa, leciona Regina Ferrari 5 , o objeto da ação não é a constitucionalidade em si, mas uma relação jurídica que, envolvendo a aplicação de uma lei, cuja validade frente à Constituição é contestada, faz surgir a necessidade de apreciação da mesma, para enfim decidir a questão proposta.
20. O objeto da ação julgada pelo STF, por meio do RE 150.764/PE, não era a inconstitucionalidade em sí, da norma que majorou a alíquota do FINSOCIAL, mas a relação jurídico-tributária daí decorrente, obrigando o contribuinte a recolher o tributo com alíquota majorada.
21. Regina Ferrari 6 afirma que na declaração de inconstitucionalidade na via de defesa, cabendo ao juiz deixar de aplicar a lei considerada inconstitucional, a eficácia do tal procedimento restringese inter partes, sendo limitada ao caso em questão. A norma, assim, não é anulada, continuando para os demais casos válida e, portanto, obrigatória, e com toda sua capacidade de produzir efeitos no mundo jurídico.
22. Analisando os efeitos da decisão jurisdicional na via de defesa ou exceção, Rui Barbosa 7 lecionava que "os tribunais só revogam sentenças dos tribunais, o que eles fazem aos atos inconstitucionais de outros poderes é coisa tecnicamente diversa. Não os revogam; desconhecem-nos. Deixam-nos subsistir no corpo das leis, ou dos atos do Executivo; (...)".
23. Portanto, ensina Regina Ferrari 8 , a essência do controle está radicada na faculdade de o Poder Judiciário deixar de aplicar a um caso concreto as normas que vulnerem os princípios constitucionais. Por isso, os efeitos da declaração, nesse caso, restringem-se às partes interessadas que propuseram a ação que motivou a análise de determinado preceito normativo.
24. Na abalizada lição de Themistócles Cavalcanti 9 , a ineficácia da lei para regular a relação jurídica não traz como conseqüência a sua inexistência desde a sua criação, mas a sua ineficácia jurídica para disciplinar o direito entre as partes.
25. Limitada a eficácia da sentença ao caso concreto no processo no qual foi posto o problema da inconstitucionalidade, parece fluir dessa conclusão que a decisão, proferida nesse sentido, opera retroativamente em relação ao caso que lhe deu motivo, só em relação a este, destruindo os efeitos produzidos pela lei inconstitucional nos limites da litis principal, que propiciou incidentalmente o exame da inconstitucionalidade. Os efeitos desse pronunciamento terão simplesmente o alcance normal das decisões judiciais.
26. Vale trazer a lume a escorreita lição de Flávia Caldeira (obra citada, p. 23-24), para quem o controle concreto de constitucionalidade é controle exercido pelo método difuso, por via de exceção (ou incidental), segundo o qual, no processo comum, a parte alega, como fundamento da ação ou da defesa, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo. Tal argüição é feita incidenter tantum e constitui sempre questão prejudicial.
27. Diz a referida autora que caracteriza-se esse método de controle por vários aspectos, a saber: a inconstitucionalidade é argüida pela parte, no processo, como questão incidental; a decisão judicial declaratória de inconstitucionalidade só prevalece entre as partes da demanda, como é regra nas ações em geral; logo, qualquer juiz ou tribunal pode continuar a aplicá-la por considerá-la constitucional; a lei não é anulada nem desfeita, mas apenas se lhe nega aplicação na causa em que foi apreciada.
28. Nessa linha de entendimento, assevera aquela doutrinadora (mesma obra, p. 35) que a declaração de inconstitucionalidade da lei não tem efeito desconstitutivo de relações jurídicas havidas durante a sua vigência e aplicação, ainda que invalidada posteriormente, porquanto, completa ela, na lição de Clemerson Merlin Cleve, citada por Reinaldo Chaves Rivera (Ação direta de inconstitucionalidade -efeitos - a cobrança de contribuições previdenciárias das agroindústrias, Revista Dialética de Direito Tributário, v. 32, p. 73-74), deve-se ter uma preocupação especial com as situações consolidadas sob a égide de lei declarada inconstitucional. Sendo esta lei nula, no entanto não pode alcançar as relações jurídicas perfeitamente acabadas e definidas, pois isto fere princípios maiores, devido ao fato de que, ao entrar em vigor a lei (agora declarada inconstitucional) estava ela munida de presunção de validade, impondo obediência aos destinatários dos seus comandos.
28.1 O que se procura, portanto, é um temperamento racional ao dogma da retroatividade integral da decisão judicial, especialmente para deixar imunes as situações jurídicas formalmente constituídas com base em ato praticado de boa-fé e sob o manto de lei que posteriormente se declarou inconstitucional. É dizer, não é possível aplicar-se um princípio constitucional a qualquer custo. Muito pelo contrário, é necessário desenvolver um certo juízo de ponderação a respeito de situações concretas nascidas sob a égide da lei inconstitucional (...).
29. Vale repetir, mais uma vez, a doutrina de Regina Ferrari, citada por Flávia Caldeira (mesma obra, p. 38), no sentido de que a inconstitucionalidade pode ser argüida a qualquer tempo e, assim, não se teria nunca a certeza do Direito, pois nunca estaríamos em condições de saber se um ato praticado validamente sob o império de uma lei seria assim considerado para todo o sempre. Sempre haveria o perigo de que, uma vez argüida a inconstitucionalidade do preceito normativo que disciplinou sua realização, viesse a ser assim considerado pelo órgão competente e a inconstitucionalidade declarada, operando ex tunc, alteraria toda uma vida social, retrotraindo indefinitivamente no tempo.
30. De igual autoridade é o magistério de Teori Albino Zavascki (Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, São Paulo: Ed. RT, 2001, p. 30), ao lecionar que, no Brasil, as decisões judiciais, tomadas em casos concretos, sobre questões constitucionais, inclusive as que dizem respeito à legitimidade dos preceitos normativos, limitam sua força vinculante às partes envolvidas no litígio. A rigor, não fazem sequer coisa julgada entre os litigantes, pois a apreciação da questão constitucional serve apenas como fundamento para o juízo de procedência ou improcedência do pedido deduzido na demanda. E a coisa julgada, sabe-se, não se estende aos fundamentos da decisão (CPC, art. 469).
31. Por essa razão, o direito brasileiro adotou a solução que determina competir privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal 10 .
32. Só após a suspensão da execução pelo Senado, a lei perde sua eficácia em relação a todos, isto é, erga omnes, não podendo mais ser aplicada. Enquanto não suspensa pelo Senado, a decisão do Supremo Tribunal Federal não constitui precedente obrigatório, já que, embora sujeita a revisão por aquele Tribunal, podem os juízes e tribunais julgar de forma diferente da propugnada, e até mesmo o Supremo pode modificar o seu modo de decidir, considerando como constitucional aquilo que já havia decidido como inconstitucional.
33. Por oportuno, antes de abordar a questão atinente ao termo inicial do prazo de decadência, cabe registrar que o Senado não conferiu eficácia erga omnes à decisão do Supremo, proferida no RE 150.764/PE 11 , que declarou a inconstitucionalidade de artigos de leis dispondo sobre a Contribuição para o FINSOCIAL.
34. Em seu parecer, o relator, Senador Amir Lando, justificou a posição contrária à suspensão dos dispositivos invalidados, afirmando que:
"É incontestável, pois, que a suspensão da eficácia desses artigos de leis pelo Senado Federal, operando erga omnes, trará profunda repercussão na vida econômica do País, notadamente em momento de acentuada crise do Tesouro Nacional e de conjugação de esforços no sentido da recuperação da economia nacional. Ademais, a decisão declaratória de inconstitucionalidade do STF, no presente caso, embora configurada em maioria absoluta nos precisos termos do art. 97 da Lei Maior, ocorreu pelo voto de seis de seus membros contra cinco, demonstrando, com isso, que o entendimento sobre a questão não é pacífico" 12 .
35.Concernente à decadência, o dissenso estabeleceu-se, apenas, em torno do termo inicial do prazo de decadência para pedir a repetição de indébito, em relação à conversão de depósito em renda da União.
36.Todavia, de tudo quanto até aqui se falou, parece claro que a intangibilidade da coisa julgada, a que está submetida a situação daqueles contribuintes que tiveram seus depósitos judiciais convertidos em renda da União, dispensa discussão sobre o termo inicial do prazo de decadência para repetição do indébito tributário.
37. De fato, não bastasse o manto sagrado da coisa julgada, corroborado, in casu, pela ocorrência da preclusão máxima, se a lei inquinada de inconstitucional não teve suspensa sua execução pelo Senado Federal, dúvidas não restam de que os efeitos de sua declaração de inconstitucionalidade não atingem outras pessoas, que não as partes do processo no qual foi declarada a inconstitucionalidade.
38. Por isso, repita-se, a apreciação da incidência, ou não, da decadência, mostra-se prejudicada, sem objeto, diante do acima exposto, especialmente, nos itens 36 e 37 deste Parecer.
39. A declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de recurso extraordinário, portanto em controle difuso, enquanto não suspensa a execução da lei pelo Senado Federal, não irradia efeitos erga omnes nem faz coisa julgada, senão entre partes do processo no qual foi proclamada.
40. Terceiro, eventualmente prejudicado, ainda que venha demandar em juízo, caso ainda não tenha operado a prescrição, para reaver o que lhe teria sido cobrado por força da lei julgada inconstitucional, por certo não logrará êxito, em razão da intangibilidade das situações jurídicas concretas, as quais não poderão ser alcançadas pelos efeitos da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF em sede de Recurso Extraordinário.
41. A decisão proferida no RE 150.764/PE, que declarou a inconstitucionalidade da norma que majorou a alíquota da exação, na via de defesa, não atinge automaticamente situações concretas formadas sob a égide e durante a vigência da norma impugnada. De lembrar que, se antes da declaração de inconstitucionalidade, a norma impugnada serviu de fundamento para sentenças judiciais, já passadas em julgado e executadas, não é possível que essas sentenças sejam atingidas pela declaração de inconstitucionalidade a ponto de se anular a coisa julgada e desfazer a execução (cobrança da exação). O objetivo da ação de que trata o RE 150.764/PE é antes assegurar a coerência constitucional do sistema normativo do que alterar situações jurídicas concretas.
42. Assim, de um lado, ninguém mais poderá invocar a norma fulminada para sustentar pretensão individual, mas a decisão do STF que fulminou a norma também não poderá ser invocada para, automática e imediatamente, desfazer situações jurídicas concretas e atingir direitos subjetivos, porque não foram o objeto da pretensão declaratória de inconstitucionalidade (JOSÉ FRANCISCO LOPES DE MIRANDA LEÃO, in Sentença Declaratória: Eficácia quanto a terceiros e eficiência da justiça, São Paulo: Ed. Malheiros, 1999, p. 57).
IV CONCLUSÃO
43. Diante do exposto, a síntese do entendimento doutrinário acima esposado conduz, inexoravelmente, à conclusão de que os efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 150.764/PE (na via de defesa) não têm o condão de alcançar as situações jurídicas concretas decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado, favoráveis à União (Fazenda Nacional). Assim, pode-se concluir que a questão submetida a esta Procuradoria-Geral deve ser harmonizada no sentido de que:
a) a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 150.764/PE não tem o condão de afetar a eficácia das decisões transitadas em julgado, as quais determinaram a conversão dos depósitos efetuados em renda da União;
b) repetindo, a decisão do STF que fulminou a norma no controle difuso de constitucionalidade também não poderá ser invocada para o fim de automática e imediatamente desfazer situações jurídicas concretas e direitos subjetivos, porque não foram o objeto da pretensão declaratória de inconstitucionalidade;
c) os contribuintes que porventura efetuaram pagamento tâneo, ou parcelaram ou tiveram os depósitos convertidos em renda da União, sob a vigência de norma cuja eficácia tenha vindo a ser, posteriormente, suspensa pelo Senado Federal, não fazem jus, em sede administrativa, à restituição, compensação ou qualquer outro expediente que resulte em renúncia de crédito da União;
d) as situações jurídicas concretas decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado, favoráveis à União, não comportam revisão mediante ação rescisória;
e) o art. 18 da MP nº 1.973/99, reeditada com o nº 2.17679/2001, hoje Lei nº 10.522/2002, não tem o alcance que lhe deu a NOTA/MF/SRF/COSIT/Nº 11/2000, não sendo passível de restituição ou compensação quaisquer valores, porque encontra óbice na coisa julgada e na eficácia da sentença em favor da União;
f) em face das conclusões das alíneas anteriores, acima, não há que se discutir termo inicial do prazo decadencial para repetição de indébito.
44. Finalmente, cabe registrar que, em face da complexidade e do alcance da matéria, aqui abordada, torna-se recomendável seja este Parecer submetido à aprovação do Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Fazenda, com sugestão de publicação no Diário Oficial da União, a fim de servir como orientação definitiva no âmbito do Ministério da Fazenda.
É o parecer, que submetemos à consideração superior.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, 31 de outubro de 2002. PAULO RODRIGUES DA SILVA Procurador da Fazenda Nacional
De acordo. Submeta-se à apreciação do Procurador-Geral Adjunto, supervisor do presente trabalho.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, 31 de outubro de 2002. MARÚCIA COÊLHO DE MATTOS MIRANDA CORRÊA Coordenadora-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional
De acordo com o parecer e com a sugestão. Submeta-se à apreciação do Senhor Procurador-Geral da Fazenda Nacional.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, 31 de outubro de 2002. DITIMAR DE SOUZA BRITO Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional
Aprovo as conclusões do presente parecer e determino o encaminhamento de cópias às unidades da Procuradoria da Fazenda Nacional e ao Senhor Secretário da Receita Federal.
Após. Submeta-se à aprovação do Senhor Ministro de Estado da Fazenda, com a sugestão de que seja publicado no Diário Oficial da União, para o fim de uniformização de jurisprudência administrativa, no âmbito deste Ministério.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, 31 de outubro de 2002. ALMIR MARTINS BASTOS Procurador-Geral da Fazenda Nacional
* 1 Sentença e coisa julgada, p. 98. 2 Op cit., p. 107. 3 Op cit., p. 114. 4 Regina M.ª Macedo Nery Ferrari, Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade, 4ª ed., RT., 1999, p. 67. 5 Op cit., p. 138 6 Op cit., p. 141 7 Obras completas de Ruy Barbosa, v. XX, t. v, p. 99. 8 Idem, idem 9 Do Controle de Constitucionalidade, p. 95. 10 Constituição Federal, art. 52, inciso X. 11 Recurso Extraordinário, Rel. Min. Marco Aurélio, v. unânime, DJ 02.4.93, ementário 1698-08 12 Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n.º 8, p. 31.
Interessado: Procurador-Geral da Fazenda Nacional. Assunto: Declaração de inconstitucionalidade de norma, no controle difuso. Despacho: Aprovo o Parecer PGFN/CRJ Nº 3.401/2002, de 31 de outubro de 2002, pelo qual ficou esclarecido que: 1) os pagamentos efetuados relativos a créditos tributários, e os depósitos convertidos em renda da União, em razão de decisões judiciais favoráveis à Fazenda Nacional transitadas em julgado, não são suscetíveis de restituição ou de compensação em decorrência de a norma aplicada vir a ser declarada inconstitucional em eventual julgamento, no controle difuso, em outras ações distintas de interesse de outros contribuintes; 2) a dispensa de constituição do crédito tributário ou a autorização para a sua desconstituição, se já constituído, previstas no art. 18 da Medida Provisória nº 2.176-79/2002, convertida na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, somente alcançam a situação de créditos tributários ainda não extintos pelo pagamento. Publique-se o presente despacho, com o referido Parecer.
PEDRO SAMPAIO MALAN Ministro de Estado da Fazenda
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.