Parecer
PGFN
nº 638, de 08 de julho de 1993
(Publicado(a) no DOU de 29/07/1993, seção 1, página 10762)
Compensação de créditos do sujeito passivo decorrentes do recolhimento ou pagamento indevido ou a maior de tributos e contribuições, inclusas as quantias correspondentes à TRD, com créditos de exações fiscais da mesma espécie. A compensação no Direito Privado, no Código Tributário Nacional e dos arts. 66, 80 a 85, todos da Lei nº 8.383, de 30.12.91.
O Sr. Procurador-Geral-Adjunto Dr. DIRCEU ANTONIO PASTORELLO determina a manifestação da Coordenadoria da Representação Judicial da Fazenda Nacional acerca da controvertida compensação de créditos relativos a tributos e a contribuições federais, inclusive previdenciárias, inclusas as quantias correspondentes à TRD, de que tratam o art. 66 e os arts. 80 a 85, todos da Lei nº 8.383, de 30.12.91, e a Instrução Normativa-DpRF nº 67, de 26.05.92. Tal determinação visa uniformizar o entendimento da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para enfrentar os conflitos judiciais que tendem a crescer sobre a matéria.
2. O punctum pruriens da questão reside na aspiração dos contribuintes de terem os valores que, muitas vezes, eles mesmo julgam terem recolhido ou pago indevidamente ou a maior de tributos e contribuições federais compensados com os mais variados tipos de tributos e contribuições, com o descuramento ao requisito da compensação entre tributos e contribuições da mesma espécie.
3. Desse modo, os objetivos desse trabalho são: 1º - esclarecer as peculiaridades da compensação regulada pelo Direito Tributário, 2º - destrinçar o que deve ser compreendido por tributos e contribuições da mesma espécie, para efeito da compensação prevista nos retrocitados preceptivos da Lei nº 8.383, de 30.12.91.
4. Como prelúdio, cabe mencionar que, na acepção geral, compensação é o encontro de contas entre titulares recíprocos de débitos e créditos, de modo que as respectivas obrigações extinguem-se até o limite de equivalência desses débitos e créditos.
5. O Código Comercial Brasileiro contém o nosso mais prístino preceito em vigor sobre a matéria, permitindo o seu art. 439 a compensação de obrigações entre comerciante, verbis:
"Art. 439. Se um comerciante é obrigado a outro por certa quantia em dinheiro ou efeitos, e o credor é obrigado ou devedor a ele em outro tanto mais ou menos, sendo as dívidas ambas igualmente líquidas e certas, ou os efeitos de igual natureza e espécie o devedor que for pelo outro demandado tem direito para exigir que se faça compensação ou encontro de dívida uma com a outra, em tanto quanto ambas concorrem."
6. As regras do Código Civil Brasileiro não diferenciam-se fundamentalmente do preceptivo supratranscrito, tendo, de qualquer modo, em virtude da inteligência notável de CLÓVIS BEVILÁQUIA, aperfeiçoado o tratamento legal da compensação.
7. Assim o art. 1.009 do Código Civil define, concisamente, a compensação da seguinte forma: "se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem"; o art. 1.010, do mesmo Código complementa - "a compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis"; a seu turno o art. 1.533, do mesmo Diploma Legal considera "líquida a obrigação certa, quanto a sua existência e determinada, quanto ao seu objeto".
8. Desse modo, colimando-se os requisitos de reciprocidade das obrigações, de liquidez e certeza das dívidas, da exigibilidade das prestações e da fungibilidade das coisas devidas, apenas, por força das focalizadas normas do Código Comercial e do Código Civil, o devedor de uma relação jurídica de Direito Privado pode forçar o credor a admitir a compensação, retendo o pagamento, ou lhe elidindo como defesa o próprio crédito à ação de cobrança acaso proposta, isto porque, na espécie, a compensação é modalidade automática e inconfutável pelo alvitre de uma das partes de extinção de dívidas.
9. Já, no Direito Tributário, ramo inafastável do Direito Público, o instituto da compensação não tem esse mesmo alcance, devido a natureza especial do crédito tributário, ligada congenitamente ao interesse público, e a noção de dever cívico inerente no cumprimento da respectiva obrigação.
10. De fato, através dos créditos tributários é que o Estado obtém os recursos necessários para manter a coisa pública, custear os fins sociais e, portanto, realizar o bem-comum. Assim, o Estado não tem apenas um direito ao crédito tributário, mas um verdadeiro múnus público de carreá-lo ao erário.
11. Não é despiciendo aduzir que é irrelevante a voluntariedade do sujeito passivo no que respeita ao pagamento do crédito fiscal, isto porque este decorre de imposição legal, caracterizando-se, pois, pela compulsoriedade. Assim, na compensação do Direito Tributário, não é de se aplicar o disposto no art. 965 do Código Civil, não necessitando o contribuinte de prévio protesto (art. 165 do C.T.N.), nem de provar que pagou por erro; o que importa é a demonstração de que o tributo a contribuição foram pagos indevidamente ou a maior, com o acolhimento administrativo ou judicial capaz de beneficiar o interessado, ou mesmo em face de posterior reconhecimento legal.
12. Destarte, não se pode dar à compensação de créditos tributários tratamento jurídico igual ao dispensado à compensação de créditos comerciais e civis, uma vez que as normas aplicáveis aos tributos, inclusive ao indébito tributário, atendem ao regime de Direito Público, o que afasta o regime de Direito Privado, também, no que tange à compensação.
13. Aliás, é o nosso próprio Código Civil que reconhece a especialidade do regime jurídico aplicável à compensação de créditos tributários, conforme preceitua o seu art. 1.017, ipsis verbis:
"Art. 1.017. As dívidas fiscais da União, dos Estados e dos Municípios também não podem ser objeto de compensação, exceto os casos de encontro entre a administração e o devedor, autorizados nas leis e regulamentos da Fazenda."
14. O Código Tributário Nacional contempla a compensação como uma das modalidades de extinção do crédito tributário (art. 156, II) mas, em homenagem ao princípio da indisponibilidade dos bens públicos, o faz, ratificando o preceptivo do art. 1.017, do C.C., e como corolário do art. 97, I, desta Lei Complementar, determinando-lhe regime especial, como se infere do seu art. 170, o qual enuncia que "a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública".
15. A fundamental diferença que despinçamos entre a compensação do Direito Privado e a do Direito Tributário, é que esta, apenas, pode ocorrer na hipótese de lei específica do ente titular da competência tributária autorizar a autoridade fiscal competente a proceder o encontro de contas entre créditos fiscais com créditos do sujeito passivo contra o Fisco, observadas as condições e garantias por essa lei específica estipuladas, ou as estipulações causus per causus atribuídas por ela a autoridade administrativa.
16. Penso não ser acaciano enfatizar que o art. 170 do C.T.N., como preceito geral de Direito Tributário, é dirigido ao legislador da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo insuficiente, por si só, para conferir ao sujeito passivo da obrigação fiscal direito à compensação, ou, em outras palavras, o sujeito passivo da obrigação tributária não tem , em princípio, direito subjetivo à compensação, inexistindo norma de lei autorizadora específica ou, também, regra regulamentar, prevendo os casos as condições e as garantias em que a compensação deva ocorrer.
17. Do que foi dito, depreende-se que a compensação relacionada ao crédito proveniente de exigência de natureza fiscal e, como tais, sujeitas ao regime tributário, ao contrário do que sucede com a compensação do regime do Direito Comum, não é obrigatória nem se opera automaticamente.
18. Analisando essas constatações, verifica-se que o sujeito passivo só poderá contrapor seu crédito líquido e certo ao crédito fiscal, como direito subjetivo público seu, no caso de existir norma legal autorizadora do encontro de contas e, ainda, submentendo-se ele aos requisitos de condições e garantias estipulados pela lei específica, ou, nos limites legais, fixados por ato da autoridade fiscal competente, investida de poder discricionário em cada caso concreto.
19. Parenteticamente, impende alertar que a compensação tributária não é um ato unilateral da Fazenda Pública, isto porque, para que ela se verifique, é necessária a anuência do sujeito passivo.
20. No entanto, insta salientar que a entidade com poder fiscal tem sempre total liberdade, para determinar, de conformidade com os critérios ditados pela oportunidade e conveniência da política fiscal, o modo como os créditos do sujeito passivo, necessariamente, líquidos e certos, poderão ou não ser compensados com os créditos fiscais.
21. Portanto, as normas legais e regulamentares sobre compensação fiscal podem admitir o encontro de contas de algumas espécies de créditos e não de outras, estabelecer ou não a correção monetária dos créditos do sujeito passivo contra o Fisco, e, no caso de concessão, expressarem se a correção monetária é total ou parcial, deixando que o restante seja passível de repetição, e assim por diante.
22. Por outro lado, note-se que o art. 170 do C.T.N., ao usar a expressão "a lei pode... atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação", adotou o sistema de compensação legal, embora dependente de um ato declaratório por parte da autoridade fazendária, reconhecendo a liquidez e certeza do crédito do sujeito passivo.
23. Assim, também neste aspecto, a compensação no Direito Tributário distingue-se, posto que esta não se opera automaticamente pela própria decisão do contribuinte ou pela existência de sentença que, simplesmente, o declare credor, sem que haja lei que autorize a compensação.
24 Aliás, quanto ao pré-requisito de certeza do crédito do sujeito passivo, para que o mesmo possa ser compensado com o crédito tributário, cabe preluzir que um crédito pago pelo contribuinte ou responsável tributário, mas que seja, ainda, alvo de disputa administrativa ou judicial, não poderá ser objeto de compensação, enquanto não houver decisão administrativa ou judicial, respectivamente, preclusa ou transitada em julgado em favor do sujeito passivo.
25. Este efeito de conferir certeza ao crédito do sujeito passivo contra o Fisco, para habilitá-lo à compensação, outrossim, ocorre no caso da norma referente a esse crédito ter sido julgada inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no controle concentrado da constitucionalidade, ou difuso, hipóteses em que será beneficiado, mesmo não sendo parte, sendo que, no último caso, após o Senado Federal suspender a execução da norma legal declarada inconstitucional por decisão definitiva do Augusto Pretório.
26. Abra-se, aqui, um parêntese para avivar que, embora os arts. 1º e 2º, do Decreto nº 73.529, de 21.01.74, vedem a extensão administrativa dos efeitos de decisões judiciais contrárias à orientação estabelecida pela Administração, a então Consultoria-Geral da República manifestou-se no sentido de admiti-la, em caráter de absoluta excepcionalidade, em casos de jurisprudência mansa e pacífica, respeitado, sempre, o efeito da coisa julgada.
27. Recorde-se eu o parágrafo único, do art. 170, do C.T.N, distanciando-se do Direito Privado, admite a compensação com crédito do sujeito passivo a vencer, no interesse da Fazenda Pública, e limita a redução, in casu, ao juro de 1% ao mês, pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.
28. No mesmo diapasão, todavia, do Direito Privado, a compensação do regime de Direito Público exige a existência de duas pessoas, simultaneamente credoras e devedoras uma da outra, havendo duas obrigações recíprocas entre as partes.
29. Encimando este capítulo, cumpre, ainda, melhor deslindar acerca do argumento de alguns contribuintes no sentido de que o valor recolhido ou pago indevidamente a título de tributo daria direito ao contribuinte a um crédito inominado contra o Fisco, vale reprisar, o recolhimento ou pagamento indevido de crédito fiscal não poderia ser considerado tributo e sim, simplesmente, indébito, o que permitiria a compensação desse seu crédito com créditos de qualquer tributo ou contribuição.
30. Sobre a natureza do pagamento indevido, basta trazermos à colação o magistério dos tributaristas PAULO DE BARROS CARVALHO ("Curso de Direito Tributário", 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 1991, páginas 303 a304) e BERNARDO RIBEIRO DE MORAES ("Competência de Direito Tributário", Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1984, página 643), que se adaptam perfeitamente à matéria em comento; respectivamente, in verbis:
"A importância recolhida a título de tributo pode ser indevida, tanto por exceder ao montante da dívida real quanto por inexistir dever jurídico de índole tributária. Surge, então, a controvertida figura do tributo indevido, que muitos entendem não ser verdadeiramente tributo, correspondendo antes a mera prestação de fato. Não pensamos assim. As quantias exigidas pelo Estado, no exercício de sua função impositiva, ou espontaneamente pagas pelo administrado, na convicção de solver um débito fiscal, têm a fisionomia própria das entidades tributárias, encaixando-se bem na definição do art. 3º do Código Tributário Nacional. A contingência de virem a ser devolvidas pelo Poder Público não as descaracteriza como tributo e para isso é que existem os sucessivos controles de legalidade que a Administração exerce e dos quais também participa o sujeito passivo, tomando a iniciativa ao supor descabido o que lhe foi cobrado, ou postulando a devolução daquilo que pagara indevidamente."
"Embora disciplinada - a repetição de indébito tributário - pelo código tributário nacional, alguns, como FÁBIO FANUCCHI, entendem não ser a repetição de indébito matéria de direito tributário, pois a relação jurídica, no caso, não é tributária, mas, sim, de direito civil. Da mesma forma podemos dizer que "tributo indevido" não é tributo, pois o indevido não configura nada.
Em verdade, a matéria é de direito tributário, regida por normas específicas da legislação tributária. Esta, acolhendo o princípio contido no Código Civil (art. 964), oferece tratamento diverso em relação ao ônus da prova para a aludida repetição."
31. Tecidas essas considerações sobre a inadmissibilidade de utilização de regras de Direito Privado para regerem a compensação relativa a crédito tributário, a qual deve ser regulada por normas de Direito Tributário, passemos à análise dos preceitos da Lei nº 8.383/91, que dispõem sobre a matéria in examine.
32. O art. 66 da Lei nº 8.383, de 30.12.91, estipula que, nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, administrados pela Receita Federal ou pelo INSS, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento da importância correspondente a períodos subseqüentes, desde que a compensação se realize entre tributos e contribuições da mesma espécie, facultado ao contribuinte a opção pelo pedido de restituição, sendo que, em ambos os casos, o valor do gravame, indevidamente pago ou recolhido, deverá ser corrigido monetariamente com base na variação da UFIR, cabendo à Secretaria da Receita Federal e ao Instituto Nacional de Seguro Social - INSS expedirem as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo.
33. Tal compensação abrange todos os casos previstos no art. 165 do Código Tributário Nacional, em que o indébito tributário pode ocorrer.
34. Para ter direito a compensação, no entanto, não basta o sujeito passivo da relação jurídico-fiscal entender que pagou ou recolheu o tributo ou a contribuição federal indevidamente ou a mais que o devido, necessitando que o seu respectivo crédito tenha sido reconhecido pela Administração Fazendária ou por decisão judicial com trânsito em julgado, tendo em vista que o art. 170 do C.T.N. exige, para que seja possível a compensação, que o crédito do sujeito passivo contra o Fisco seja líquido e certo.
35. Corrobora esse entendimento o Decisum da 1ª Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, que reformou liminar deferida por Juiz de 1º grau, concessiva de compensação, no julgamento do Mandado de Segurança nº 93.04.048941-9-PR, impetrado pela Fazenda Nacional, cuja Ementa transcrevo:
"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DO FINSOCIAL. COMPENSAÇÃO DE VALORES DEVIDOS NOS EXERCÍCIOS POSTERIORES. REQUISITO.
A compensação da contribuição para o Finsocial paga indevidamente, depende do reconhecimento judicial da inconstitucionalidade caso a caso, não servindo de títulos para esse efeito os precedentes judiciais que incidentalmente deixaram de aplicar o art. 9º da Lei nº 7.689, de 1988, ordem concedida." (in Gazeta Mercantil dos dias 3 e 5 de julho de 1993, p. 39).
36. O relator do focalizado Acórdão o Juiz ARI PARGENDLER escreveu "o crédito, enquanto não reconhecido pela administração, só poderá ser compensado por efeito de sentença". Consta, ainda, no Acórdão, que o Poder Judiciário não pode impedir que a Fazenda promova o lançamento do crédito fiscal - "Até aí não vai o poder do Judiciário - o lançamento fiscal é um procedimento legal a que a autoridade fazendária está vinculada".
37. Como já foi dito, o efeito da liquidez e certeza do crédito do sujeito passivo contra a Fazenda Pública poderá, também, advir na hipótese de reconhecimento legal do indébito, posterior ao pagamento ou recolhimento do gravame, ou no caso do Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade de norma legal, que exigia o tributo ou a contribuição em ação direta de inconstitucionalidade, ou, mesmo não sendo parte, no caso de ato do Senado Federal suspendendo a execução do preceptivo declarado inconstitucional por decisão definida do Excelso Pretório, decorrente de Recurso Extraordinário, ou, por fim, na hipótese de extensão administrativa, devidamente autorizada, dos efeitos de decisões judiciais pacíficas e caudalosas, que tenham admitido a inconstitucionalidade total ou parcial de exigência fiscal, o que causaria o reconhecimento dos respectivos créditos dos contribuintes contra o Erário.
38. Aliás, a exigência de liquidez e certeza do crédito do contribuinte contra o Fisco, para que seja possível o encontro de contas, encontra-se em sintonia com os mesmos requisitos, relacionados com a compensação no Direito Privado, do art. 439 do Código Comercial e do art. 1.010 do Código Civil.
39. O ponto, que merece ser esclarecido, diz respeito a quais tributos e contribuições podem ser compensados com o valor pago ou recolhido indevidamente ou a maior, a título dessas exações, tendo em vista que o art. 66 da Lei nº 8.383, estipula que a compensação, somente, poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie.
40. Para responder tal quesito, basta trazer à memória o preceito do art. 4º, da Lei nº 5.172, de 25.10.66, que estatui que a natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação.
41. Portanto, pode-se entender que tributos e contribuições da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma hipótese de incidência.
42. Assim, créditos líquidos e certos do imposto de renda das pessoas físicas só poderão ser compensados com créditos supervenientes ao pagamento ou recolhimento indevido ou a maior do imposto de renda das pessoas físicas; da mesma forma, créditos do FINSOCIAL somente serão compensados com créditos do FINSOCIAL, créditos do PIS com créditos do PIS com créditos do PIS, e assim por diante.
43. Cumpre reprisar que a compensação relativa a créditos tributários somente pode se dar na hipótese de existência de norma legal autorizadora e nos estritos termos das condições e das garantias estipuladas por lei ou por autoridade fazendária em cada caso concreto.
44. Desse modo, cabe enfatizar que o sujeito passivo tributário não tem direito subjetivo público à compensação sem que lei específica assim autorize, ou em desacordo com os casos, as condições e as garantias estipuladas em lei especial ou em ato administrativo regulamentar da entidade tributante.
45. A seu turno, decisões judiciais, que venham a permitir a compensação de créditos do contribuinte contra a Fazenda Pública com créditos fiscais, contrariando a hipóteses, condições e garantias estipuladas pelas normas jurídicas do entre titular da competência fiscal, transmudam o julgador em legislador positivo, o que é vedado pela Constituição Federal.
46. Destarta, tendo o § 1º, do art. 66, da Lei nº 8.383/91, determinado que a compensação, de que cuida este artigo, só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie, isto é, com o mesmo fato imponível, não pode o contribuinte pretender a compensação de créditos relativo a um imposto com débitos de outro imposto (ISOF com IR); de créditos de uma contribuição com débitos de um imposto (PIS/PASEP) com IR, ou CS com IR), nem créditos relativos a uma contribuição com débitos de outra contribuição (PIS//PASEP) com o Cofins, ou o FINSOCIAL com Confins, PIS)
47. Vamos discorrer, neste ponto, sobre alguns casos mais polêmicos: Juristas de merecido renome têm concedido que a Carta Política de 1988, no seu art. 239, teria reafirmado a natureza tributária da contribuição para o Fundo PIS/PASEP, ao recepcioná-la como contribuição de seguridade social, ao lado de outras contribuições sociais previstas no seu art. 195, I. Assim a hipótese de incidência do contribuição para o Fundo PIS/PASEP foi estendida para atividades de financiamento do seguro-desemprego, do abono dos empregados que percebem até dois salários mínimos de remuneração mensal e de programas de desenvolvimento econômico. A Fazenda Nacional entende que referida contribuição podia ser disciplinada pelos Decretos-leis nº 2.445/88 e 2.449/88, que alteraram as bases de cálculo e alíquotas dessa exação, tendo em vista que a matéria tratada por esses Diplomas Legais é de finanças públicas. No entanto, o contribuinte que teve um crédito reconhecido judicialmente, como pago a mais, com o fundamento de que os Decretos-leis mencionados não poderiam alterar a Lei Complementar nº 7/70, em face da natureza não tributária ou de finanças públicas da contribuição, não pode, com mais razão ainda, aspirar à compensação desse seu crédito com créditos tributários contra ele, como do Imposto de Renda, por exemplo, diante da impossibilidade jurídica da pretensão. Outrossim, não poderia o PIS/PASEP ser compensado com o Cofins, uma vez que a hipótese de incidência deste não é exatamente o mesmo, já que é, exclusivamente, as atividades fins das áreas de saúde, previdência e assistência social. Portanto, entendo que créditos de contribuição par PIS/PASEP só podem ser compensados com débitos posteriores ao pagamento a maior da contribuição do PIS/PASEP.
48. O caso da compensação de créditos do FINSOCIAL: A Fazenda Pública Federal tem compreendido, inclusive por força do art. 9º da Lei nº 7.689/88, que a exação, in tela, foi recepcionada pela Constituição de 1988 (art. 56, ADCT), como contribuição de seguridade social. O fato imponível do FINSOCIAL é a necessária intervenção ou atividade estatal, sem referibilidade ao obrigado, no plano da seguridade social em geral. De logo constata-se que crédito líquido e certo do contribuinte em face de pagamento a maior dessa exação não pode ser compensado com débitos posteriores a esse pagamento da contribuição para o Fundo PIS/PASEP, já que as hipóteses de incidência não são a mesmas; também não poderia tal crédito referente ao FINSOCIAL ser compensado com débitos da nova contribuição instituída pela Lei Complementar nº 70/91 (Cofins), uma vez que, com a extinção do FINSOCIAL, não se pode considerar que essas contribuições sejam da mesma espécie, requisito exigido pelo art. 66 da Lei nº 8.383, como sendo essencial para que seja admitida a compensação, pois uma contribuição extinta não se confunde com uma contribuição vigente, mesmo que ambas apresentem a mesma hipótese de incidência. Também, evidentemente, o FINSOCIAL não pode ser compensado com impostos, em face da diversidade das hipóteses de incidências; assim, penso que o FINSOCIAL só pode ser compensado com o FINSOCIAL.
49. Encime-se a título ilustrativo, ponderando que não se pode permitir a compensação de créditos provenientes do empréstimo compulsório sobre a aquisição de veículos ou de combustíveis com débitos do Imposto de Renda, isto em face de inexistência de lei ordinária federal prevendo tal possibilidade, e diante do respeito aos casos e condições, para que seja possível a compensação entre créditos tributários, estipulados pela lei nº 8.383/91.
50. Ressalte-se, por outro lado, que deve existir a identidade entre o titular do crédito compensável e o sujeito passivo do crédito fiscal, sendo vedada a transferência desse crédito a outro contribuinte ou a outro estabelecimento.
Ademais, utilizando-se o preceito do art. 166 do C.T.N., sobre a restituição do pagamento indevido de tributo, não poderão ser objeto de compensação créditos decorrentes de tributos que, por sua natureza, comportem transferência do encargo financeiro, salvo o interessado demonstrar haver assumido o referido ônus, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a fazê-lo.
52. A propósito, tributos que, por sua natureza, comportam a transferência do respectivo encargos financeiro são somente aqueles em relação aos quais a própria lei estabelece dita transferência: são os casos dos chamados tributos indiretos, em que a lei estatui que o sujeito passivo da exação é o mero arrecadador do gravame para o Fisco, enquanto que o terceiro é que, de fato, suporta o encargo do pagamento do tributo, como, por exemplo, o IPI.
53. Por fim, noticie-se que a Instrução Normativa da Receita Federal nº 67, de 26.05.92, que, em obediência ao disposto no § 4º, do art. 66, da Lei nº 8.383, de 30.12.91, dispõe sobre a compensação de recolhimento ou pagamento indevido ou a maior de tributos e contribuições federais administrados pela Secretaria da Receita Federal, determina que, no preenchimento do formulário da Declaração de Contribuições e Tributos Federais (DCTF), no qual constam informações sobre os montantes dos gravames fiscais a serem recolhidos, o contribuinte deverá informar o valor de caca tributo ou contribuição efetivamente apurado, não devendo ser considerados eventuais ajustes decorrentes da compensação.
54. Antes de proceder à análise da compensação prevista nos arts. 80 a 85 da Lei nº 8.383, de 30.12.91, impende avocar os motivos pelos quais preceitos legais reconheceram o direito dos sujeitos passivos aos créditos decorrentes do pagamento ou recolhimento de quantias referentes a variação da Taxa Referencial Diária - TRD acumulada entre a data da ocorrência do fato gerador e a do vencimento de obrigações fiscais, passíveis, a partir de 1º.1.92, de serem compensados.
55. A Lei nº 8.177, de 1º.3.91, proveniente da Medida Provisória nº 294, de 31.1.91, no seu art. 9º, determinava a incidência, a partir de fevereiro de 1991, do TRD sobre impostos, multas e demais obrigações fiscais e parafiscais, desde a data da materialização da hipótese de incidência até o vencimento da obrigação.
56. Emergiram, então, decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a TR e a TRD não poderiam ser usadas como indexadores ou índice de correção monetária; mas, por representarem remuneração de capital, tinham a natureza jurídica de juros; assim não deveria a TRD incidir sobre débitos fiscais antes do vencimento, uma vez que não estaria, ainda, caracteriza a mora do devedor.
57. Diante desse fato, a Lei nº 8.218, de 29.8.91, no seu art. 3º, restringiu o critério da utilização da TRD em relação as obrigações fiscais; assim, o seu art. 3º estatui, que sobre os débitos exigíveis de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional e o Instituto Nacional do Seguro Social incidirão juros de mora equivalentes à Taxa Referencial Diária - TRD acumulada, calculados desde o dia em que o débito deveria ter sido pago, até o dia anterior ao do seu efetivo pagamento.
58. Ademais, o art. 30 da Lei nº 8.218, admitindo a insubsistência do critério, fez prevalecer o novo regime, inclusive em caráter retroativo, ao dar nova redação do art. 9º da Lei nº 8.177/71, que passou a ser o seguinte: "Art. 9º. A partir de fevereiro de 1991, incidirão juros de mora equivalentes à TRD sobre débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional, com a Seguridade Social, como o Fundo de Participação PIS-PASEP, com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS..."
59. Reconhecida, desse modo, a certeza dos créditos dos sujeitos passivos, o art. 80 da Lei nº 8.383/91, permitiu, nos termos dos artigos seguintes, a compensação do valor pago ou recolhido a título de encargo relativo à TRD acumulada entre a data da ocorrência do fato gerador e a do vencimento dos tributos e contribuições federais, inclusive, previdenciárias, pagos ou recolhidos a partir de 4.2.91.
60. Os arts. 81 e 82 da Lei, em comento, fixam quais critérios pagos, respectivamente, pelas pessoas jurídicas e pelas pessoas físicas, poderão ser compensados com quais débitos. O critério é o mesmo do previsto no art. 66 do mesmo Diploma Legal, isto é, os reconhecidos créditos referente ao pagamento ou recolhimento de tributos e contribuições federais devem ser compensados com débitos de tributos e contribuições da mesma espécie ou entre si, vale repetir, com a mesma hipótese de incidência, em consonância com o art. 4º do Código Tributário Nacional.
61. O inciso I, do art. 81, da Lei nº 8.383/91, dispõe que os valores referentes à TRD pagos em relação a parcelas do imposto de renda das pessoas jurídicas, do imposto de renda da fonte sobre lucro líquido (art. 35 da Lei nº 7.713/88), bem como correspondentes a recolhimento de renda retido na fonte sobre rendimentos de qualquer espécie poderão ser compensados com impostos da mesma espécie ou entre si, dentre os acima mencionados, inclusive com os valores a recolher a título de parcela estimada do imposto de renda.
62. O inciso II, do mesmo artigo, preceitua que, nos casos da contribuição social sobre o lucro (Lei nº 7.689/88), do FINSOCIAL e do PIS/PASEP, somente poderão ser compensados com parcelas a pagar de contribuições da mesma espécie, sendo inadmissível, portanto, a compensação de valores de uma contribuição com qualquer imposto.
63. Estatui, o inciso III do mesmo art. 81, que os valores referentes à TRD recolhidos pelas pessoas jurídicas em relação a parcelas do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e sobre os demais tributos e contribuições somente poderão ser compensados com parcelas de tributos e contribuições da mesma espécie; assim, o IPI somente poderá ser compensado com débitos do IPI, e assim por diante.
64. No que respeita as pessoas físicas, o art. 82 da Lei nº 8.383/91 autoriza que os valores referentes à TRD, pagos sobre as parcelas do Imposto de Renda por elas devidas, poderão ser compensados com quotas do próprio Imposto de Renda das pessoas físicas, com parcelas devidas a título de "carnê-leão", com o Imposto de Renda sobre ganho de capital na alienação de bens móveis e imóveis e com o Imposto de Renda sobre ganhos líquidos apurados no mercado de renda variável.
65. O art. 83 prevê, apenas na hipótese de não ser possível a compensação total ou parcial dos valores referentes à TRD de conformidade com os critérios neste capítulo apresentados, impossibilidade esta que deverá ser justificada caso a caso, que o saldo não compensado terá o tratamento de crédito de imposto de renda, que poderá ser compensado com o imposto apurado na declaração do ajuste anual da pessoa jurídica ou física, a ser apresentada a partir do exercício financeiro de 1992.
66. Da mesma forma como faculta o § 2º, do art. 66, da Lei nº 8.383, o art. 84 reconhece o direito do sujeito passivo de optar pela repetição do valor referente à TRD, mediante processo regular apresentado na repartição da Delegacia da Receita Federal do seu domicílio fiscal, observando as exigências de comprovação do valor a ser restituído.
67. Finalmente, o art. 85 convalida os procedimentos de compensação de valores referentes à TRD pagos ou recolhidos e efetuados antes da vigência da Lei nº 8.383, de 30.12.91, desde que tenham sido obedecidas as normas e condições estipuladas pelo mesmo Diploma Legal.
a) a compensação de créditos de tributos e contribuições segue o regime especial de Direito Público. Assim, ela somente pode ser realizada na hipótese de autorização específica de lei e em estrita obediência às condições e às garantias estipuladas por essa lei especial ou por ato regulamentar da autoridade fazendária;
b) o art. 4º do C.T.N. estatui que a natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação. Portanto, deve-se entender que tributos e contribuições da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma hipótese de incidência.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 08 de julho de 1993.
OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO
Coordenador da Representação Judicial da Fazenda Nacional
Substituto
Submeta-se à consideração do Sr. Procurador-Geral da Fazenda Nacional, com a proposta de publicação deste Parecer.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 08 de julho de 1993.
DIRCEU ANTONIO PASTORELLO
Procurador-Geral-Adjunto da Fazenda Nacional
Assunto: Conflitos judiciais sobre a compensação de créditos do sujeito passivo decorrentes do recolhimento ou pagamento indevido ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive, previdenciárias, inclusas as quantias correspondentes à TDR, com créditos de exações fiscais da mesma espécie, ex vi dos arts. 66, 80 a 85, da Lei nº 8.383, de 30.12.91.
Despacho: Aprovo o Parecer PGFN/CRJN/Nº 638/93, da lavra do Procurador Coordenador da Representação Judicial da Fazenda Nacional Substituto Dr. OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO, que esclarece as peculiaridades da compensação regulada pelo Direito Tributário e elucida o que deve ser entendido por tributos e contribuições da mesma espécie, para efeito da compensação prevista nos preceitos dos art. 66, 80 a 85, da Lei nº 8.383/91, devendo as unidades deste órgão jurídico adotar o critério jurídico nele exposto. Publique-se, juntamente com o referido Parecer.
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.