Parecer PGFN nº 1277, de 17 de novembro de 1994
(Publicado(a) no DOU de 28/12/1994, seção 1, página 20738)  

"Efeitos de Decisão Judicial transitada em julgado, em ação ordinária."

PARECER
PGFN/CRJN/Nº 1.277/94
Decisão Judicial em ação ordinária, com alegação de coisa julgada contrária a Fazenda Nacional, acerca da Contribuição Social sobre o Lucro das Pessoas Jurídicas, mas em desacordo com posterior Acordão do STF, que considerou constitucional os preceitos da Lei nº 7.689, de 15.12.88, com excecão do art. 8º.
Tendo sucedido alterações nas normas, de cuja incidência a relação tributária decorre, justifica-se o lançamento e a cobrança do crêdito em relação a fatos geradores ocorridos posteriormente às modificações legislativas, incidindo, na espêcie, o art. 471, I, do CPC.
I
A Delegada da Receita Federal no Distrito Federal noticia que o Banco de Brasília S.A. - BRB - não vem recolhendo a Contribuição Social sobre o Lucro, por força do Acórdão da 3º Turma do Egrêgio Tribunal Federal da 1ª Região, de 11 de novembro de 1991, que, por ocasião do julgamento de remessa ex-offício nº 89.01.16151-6-DF, decidiu pela inconstitucionalidade da Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1988, que instituiu a referida exação, tendo sucedido o trânsito em julgado em 18 de fevereiro de 1992.
2. Admite a inviabilidade do ajuizamento de ação rescisória, tendo em vista o transcurso de dois anos contados do trânsito em julgado da Decisão, muito embora, o Excelso Tribunal Constitucional do País tenha julgado constitucional a Lei nº 7.689/88, a partir dos fatos geradores ocorridos em 1989.
3. Solicita a esta Procuradoria-Geral informações quanto ao procedimento a ser adotado para a cobrança do gravame.
II
4. De início, noticie-se que, em tema de ação declaratória, a 1ª Turma do Augusto Pretório, no Julgamento do RE nº 99.435-1, Relator Ministro RAFAEL MAYER, decidiu que "a declaração de intributabilidade, no pertinente a relações jurídicas originadas de fatos geradores que se sucedem no tempo, não pode ter o caráter de imutabilidade e de normatividade a abranger eventos futuros". (in "R.T.J." 106/1.189)
5. Esse entendimento foi ratificado pelo Plenário, no julgamento da Ação Rescisória nº 1.239-9-MG, cujo Relator, o Ministro CARLOS MADEIRA, acolheu o Parecer do então Procurador-Geral da República, o hoje Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, pela improcedência da ação. No referido julgado, o Emêrito Ministro MOREIRA ALVES esclareceu que "não cabe ação declaratória para efeito de que a declaração transite em julgado para os fatos geradores futuros, pois a ação dessa natureza se destina à declaração da existência, ou não da relação jurídica que se pretende já existente. A declaração da impossibilidade do surgimento de relação jurídica no futuro porque não ê esta admitida pela Lei, ou pela Constituição, se possível de ser obtida pela ação declaratória, transformaria tal ação em representação de interpretação ou de inconstitucionalidade em abstrato, o que não ê admissível em nosso ordenamento jurídico." (in "Revista Jurídica" nº 159 - jan/91, p. 39)
6. Mesmo se admitíssemos a tese da restrição da Súmula nº 239 do S.T.F., no sentido de que se de uma decisão transitada em julgado, numa ação declaratória, que se coloca no plano da relação de direito tributário material, para dizer da inconstitucionalidade da pretensão do Fisco, decorre coisa julgada a impossibilitar a renovação, em cada exercício, de novos lançamentos e cobranças do tributo, impende ponderar, por outro lado, que tal efeito não prevalece na hipótese de advir mudanças das relações jurídico-tributárias, pelo advento de novas normas jurídicas e de alterações nos fatos, com os seus novos condicionantes.
7. Assim, a res judicata proveniente de decisão transitada em julgado em uma ação declaratória, em que se cuidou de questões situadas no plano do direito fiscal material, não impede que lei nova passe a reger diferentemente os fatos ocorridos a partir de sua vigência, tratando-se de relação jurídica continuativa, como preceitua o inciso I, do art. 471, do C.P.C.
8. Adapta-se como uma luva ao que acabamos de dizer a segunda parte da Ementa do Plenário do Supremo Tribunal Federal, no Julgamento do Recurso Extraordinário nº 83.225-SP, ipsis verbis:
"2) A coisa julgada não impede que lei nova passe a reger diferentemente os fatos ocorridos a partir de sua vigência. Embargos rejeitados" (in "R.T.J." 92/707).
9. Cumpre também, noticiar o entendimento do Procurador-Regional da Fazenda Nacional em Pernambuco Dr. ANTÔNIO GALVÃO CAVALCANTI FILHO, exposto no Ofício PRFN/PE nº 406/92, no sentido de que, tornando-se mansa e pacífica a jurisprudência que reconhece a constitucionalidade da legislação da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, verificar-se-ia mudança no estado de fato em relação jurídica de trato sucessivo, hospedada no art. 471, I, do Código de Processo Civil, não havendo de antepor, na matéria, a couraça impermeável da coisa julgada, passando a ter, pois, fomento jurídico a cobrança da exação, independentemente de ação rescisória, ressalvados os efeitos jurídicos dos fatos efetivamente consumados.
10. Reforça esta posição, a transcrição de trecho do voto do Ministro COSTA LEITE, no Julgamento da 1ª Turma do sempre Egrêgio Tribunal Federal de Recursos da AC nº 81.915-RJ (in RTFR 160/59/61), verbis:
"A coisa julgada, como ensina Frederico Marques, ê suscetível de um processo de integração, decorrente de situação superveniente, a que deve o juiz atender, tendo em conta a natureza continuativa da relação jurídica decidida."
11. Aliás, a primeira parte da Ementa da AC supracitada traz o seguinte entendimento: "Tratando-se de relação jurídica de caráter continuativo, não prospera a exceção de coisa julgada, nos termos do art. 471, do CPC".
12. Neste ponto, vale ressaltar que a Lei nº 7.689, de 15.12.88, foi alterada por preceptivos jurídicos novos de vários Diplomas Legais, cabendo citar, apenas a título ilustrativo, os arts. 41, § 3º e 44 da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991; e o art. 11 da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, c/c os arts. 22, § 1º e 23, § 1º, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
13. Ressalte-se, outrossim, que a Lei Complementar nº 70/91, no seu art. 11, manteve as demais normas da Lei nº 7.689/88 com as alterações posteriormente introduzidas.
14. Ademais, desde a Decisão do Excelso Pretório no Julgamento do Recurso Extraordinário nº 138284-8-CE, a jurisprudência pátria passou a reconhecer mansa e pacificamente a Constitucionalidade da Lei nº 7.689/88, com a exceção do seu art. 8º.
15. Impende transcrever recente Decisão do Pretório Excelso, confirmando o entendimento de decisões anteriores no que respeita ao âmbito dos efeitos da coisa julgada em ação declaratória:
"Coisa julgada - âmbito - Mesmo havendo decisão em que se conclui pela inexistência de relação jurídica entre o Fisco e o contribuinte, não se pode estender seus efeitos a exercícios fiscais seguintes." (Plenário do STF - E. Decl. em Em. Diver. em RE nº 109.073-1-SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - Jul. 11.2.93)
16. Desse modo, penso que seria do interesse público o lançamento de créditos da Contribuição Social sobre o Lucro em relação ao BRB e a conseqüente cobrança administrativa, ocasião em que seria expresso o entendimento da Administração da não prevalência da coisa julgada em benefício do BRB, diante de alterações nos fatos e nas normas, e tendo em vista, ainda, que a relação jurídica de tributação da Contribuição Social sobre o Lucro ê continuativa, incidindo, na espêcie, o art. 471, I, do CPC.
17. Sofrendo o contribuinte a notificação dos lançamentos pertinentes, poderá anuir com argumento de que não seria beneficiado, no caso, com a exceção da coisa julgada, pagando os créditos decorrentes, ou poderá impugnar os lançamentos até esgotar a via administrativa, sendo-lhe facultado o acesso ao Poder Judiciário para ver esclarecido o real alcance do Acórdão transi-tado em julgado do Tribunal Federal da 1ª Região, tendo em vista que a matéria não se mostra assentada.
18. Insta ponderar que, em relação às decisões trânsitadas em julgado, antes da jurisprudência pátria se tornar assente acerca da constitucionalidade da legislação da Contribuição Social sobre o Lucro das empresas, não seria cabível ação rescisória fundada em ofensa a literal disposição da Lei nº 7.689/88, tendo em vista os verbetes das Súmulas nº 343 do Supremo Tribunal Federal e nº 134, do Egrêgio Tribunal Federal de Recursos. Transcrevam-se as Súmulas supracitadas:
Súmula nº 343 do STF - "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
Súmula nº 134 do TRF - "Não cabe rescisória por violação de literal disposição de lei se, ao tempo em que foi prolatada a sentença rescindenda, a interpretação era controvertida nos tribunais, embora se tenha fixado favoravelmente à pretensão do autor".
19. Sugere-se, por fim, o envio de ofícios à Procuradoria da Fazenda Nacional no Distrito Federal e à Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional na 1ª Região, para que informem sobre os recursos interpostos no caso examinado, ou os motivos de omissão.
III
20. Diante do exposto, conclui-se que, tendo havido alterações das normas que disciplinam a relação tributária continuativa entre as partes, não seria cabível, no caso, a alegação da exceção da coisa julgada em relação a fatos geradores sucedidos após as alterações legislativas, sendo do interesse público o lançamento e a cobrança administrativa ou judicial dos créditos decorrentes.
É o Parecer.
À consideração do Sr. Procurador-Geral. Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em 17 de novembro de 1994.
OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO Procurador-Coordenador da Representação Judicial da Fazenda Nacional
DESPACHO DO PROCURADOR-GERAL Em 17 de novembro de 1994
Processo nº: 14052.001900/91-10,
Assunto: Efeitos de Decisão Judicial transitada em julgado, em ação ordinária.
Despacho: Aprovo, integralmente, o Parecer PGFN/CRJN/Nº 1.277/94, da lavra do Procurador-Coordenador da Representação Judicial da Fazenda Nacional OSWALDO OTHON DE PONTES SARAIVA FILHO, e determino sua publicação.
Espeçam-se os Ofícios e restitua-se à Delegacia da Receita Federal em Brasília, por intermêdio do Gabinete do Sr. Secretário da Receita Federal.
WAGNER PIRES DE OLIVEIRA
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.