Parecer Normativo CST nº 50, de 09 de maio de 1973
(Publicado(a) no DOU de 27/06/1973, seção 1, página 0)  

02 - Imposto sobre a Renda e Proventos
02.02 - Pessoas Jurídicas
02.02.03 - Custos, Despesas Operacionais e Encargos
02.02.03.99 - Outros (Desfalque, apropriação indébita ou furto).
Condições específicas de dedutibilidade, como despesas, de prejuízos por desfalque, apropriação indébita ou furto. Inteligência do art. 47, § 3º, da Lei nº 4.506, de 30.11.64 (RIR art. 182).

Diz a lei que “somente serão dedutíveis como despesas os prejuízos por desfalque, apropriação indébita ou furto, por empregados ou terceiros, quando houver inquérito instaurado nos termos da legislação trabalhista ou quando apresentada queixa perante a autoridade policial” (Lei nº 4.506, de 30.11.64, art. 47, § 3º; RIR, art. 182).
2. Essa regra legal vem sob a forma de parágrafo, o que dentro da boa técnica legislativa indica dever sua compreensão ser relacionada com o caput do artigo respectivo. No caput do artigo, define a lei como operacionais “as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora” (Lei nº 4.506, art. 47; RIR, art. 162). Mesmo prima facie já se pode ver que o § 3º representa uma exceção à regra enunciada na cabeça do artigo, pois o parágrafo admite como dedutível uma classe de despesas que não se acham compreendidas na definição do caput - não pode haver dúvida de que desfalque, apropriação indébita ou furto nem são necessários à atividade da empresa nem são necessários à manutenção da respectiva fonte produtora.
3. Firmada a conclusão de que o parágrafo acima referido constitui uma exceção à regra inserta no caput do mesmo artigo, podemos passar à análise de sua extensão contenutística. O fato de se constatar o caráter de exceção do referido parágrafo orienta o intérprete no sentido de obter o estrito alcance da norma, evitando estender-lhe a incidência para além de seus próprios limites: exceptiones strictissimae interpretationis sunt. Em consonância com essa diretriz, o § 3º do art. 47 da Lei nº 4.506 deve ser compreendido como permitindo a dedução, a título de despesas, nas hipóteses cuja configuração depende dos seguintes pressupostos:
1º) existência de prejuízos em decorrência de desfalque, apropriação indébita ou furto;
2º) imputabilidade da autoria a empregado ou terceiros;
3º) existência de inquérito nos termos da legislação trabalhista, ou de queixa perante a autoridade policial.
4. Quando não tiver ocorrido efetivo prejuízo - como, por exemplo, no caso de ter havido indenização ou estar o evento coberto por seguro, ou ter sido judicialmente reconhecido à empresa vítima, no mesmo exercício, o direito creditório contra aquele que tiver dado causa ao prejuízo -, indevida será a dedução, por ausência de um dos pressupostos de seu cabimento.
Por outro lado, tenha-se em consideração que, se em exercícios posteriores ao em que tiver a empresa suportado o prejuízo (e, portanto, deduzido legitimamente a despesa) for ela indenizada ou vier ela a usufruir compensação de qualquer natureza, deverá o valor correspondente ser considerado receita, como “recuperação ou devolução de custos, deduções ou provisões” (Lei nº 4.506, art. 44, III; RIR, art. 157, “c”).
5. Quando o autor do desfalque, apropriação indébita ou furto for sócio ou proprietário da empresa ofendida - ainda que, posteriormente ao delito, perca sua condição de proprietário ou sócio - não se terá configurado o direito à dedução. Isso porque, não sendo o agente empregado, nem podendo ser considerado “terceiro” perante a empresa, estará ausente o segundo dos pressupostos legais acima indicados.
Quanto a este último aspecto, poderia objetar-se que a existência de uma pessoa jurídica não se confunde com a de seus membros (Cód. Civil, art. 20), podendo estes ser considerados “terceiros” em relação àquela. Improcedente semelhante objeção.
Tal improcedência se impõe por duas ordens de razões: uma que nega à distinção de personalidade - da sociedade (ou empresa individual) e seus respectivos sócios (ou titular) - o efeito pretendido, de que estes possam ser considerados “terceiros” em relação àqueles (v. item seguinte); outra, que afirma, com base no próprio dispositivo legal em exame (art. 47, § 3º, da Lei nº 4.506), o seu sentido e extensão, que não se compatibiliza com o entendimento de que admitiria a dedutibilidade de prejuízos causados por sócios ou proprietários da empresa vítima de desfalque, furto, ou apropriação indébita (v. item 7).
6. A expressão “terceiros”, em relação a uma sociedade, refere-se a pessoas estranhas a sua ordenação jurídica. Sócios, proprietários e empregados não são pessoas estranhas à empresa e, por isso, em relação a ela não são “terceiros”. Quanto aos empregados, o próprio § 3º em exame está a demonstrar que não estão eles compreendidos entre os “terceiros”, porquanto são referidos ao lado destes (“... por empregados ou terceiros”). Ora, nada mais evidente que o fato de não haver confusão entre a personalidade dos empregados e a da empresa a que servem. Ergo, demonstrada está a conclusão de que o fato de serem distintas a personalidade da empresa e a de seus sócios (o mesmo se diga em relação ao proprietário de empresa individual) não importa dar a estes o caráter de “terceiros” em relação àquela.
A expressão “terceiros”, aliás, vem utilizada na legislação vigente, iteradas vezes, em dispositivo cuja redação não dá margem a qualquer sombra de dúvida de que a mesma exclui os sócios e proprietários. Vejam-se, exempli gratia tantum, o art. 15 do Código Civil, o art. 304 do Código Comercial e o art. 4º, IV, da Lei nº 5 764, de 16.12.71.
7. Além do fato, já referido, de o § 3º do art. 47 da Lei nº 4 506 consubstanciar uma exceção à regra geral estatuída no caput do mesmo artigo, reafirmam e fortalecem nosso entendimento, acima expresso, as seguintes razões:
1a.) a norma constante no citado § 3º principia por urna restrição, expressa através de termo “somente” (“Somente serão dedutíveis como despesas ...”);
2a.) a expressão “por empregados ou terceiros” seria supérflua se outra fosse a intentio legis; se pretendesse a lei permitir a dedução desses prejuízos, quaisquer que fossem seus causadores, teria simplesmente omitido referida cláusula: “Somente serão dedutíveis como despesas ou prejuízos por desfalques, apropriação indébita ou furto ( ... ) quando ...”.
8. É oportuno lembrar que nem mesmo um acordo de extinção de sociedade, pelo qual se atribuam as responsabilidades tributárias a um ou a alguns dos sócios, tem eficácia para afastar a conclusão acima. É o próprio Código Tributário Nacional que o diz, in ipsis verbis:
“Art. 123 - Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostos à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.
Portanto, não tem o sujeito passivo o direito de transferir a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação tributária, em virtude de prejuízo causado por ex-sócio seu. Poderá ressarcir-se a empresa, pelos meios de que dispuser, inclusive o procedimento judicial cabível, mas a Fazenda Pública é alheia a essa relação.
9. O terceiro pressuposto referido no item 3 - existência de inquérito nos termos da legislação trabalhista, ou de queixa perante a autoridade policial - dispensa maiores comentários. Os documentos comprobatórios respectivos devem ser mantidos em boa guarda pelo contribuinte para apresentação ou exibição, quando solicitado, à autoridade fiscal.
10. Esse o nosso parecer, que submetemos à superior consideração.
SLTN, 30 de janeiro de 1973.
CÉSAR VIEIRA DE REZENDE
Técnico de Tributação
De acordo.
Publique-se e, a seguir, encaminhem-se cópias às SS.RR.R.F. para conhecimento e ciência aos demais órgãos subordinados.
Coordenação do Sistema de Tributação
Divisão de Legislação e Julgado
Em 8/5/1973
VICENTE DE PAULO CAMPOS
Chefe
Del. Comp. Port. CST 31/70
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.