Parecer PGFN nº 74, de 20 de janeiro de 1994
(Publicado(a) no DOU de 26/01/1994, seção 1, página 1193)  

SIGILO BANCÁRIO - Fornecimento de dados sobre o IPMF. Controvérsia entre a Secretaria da Receita Federal, o Banco Central do Brasil e instituições financeiras.

Por determinação do Sr. Ministro da Fazenda, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é chamada a examinar controvérsia que está ocorrendo entre entidades do sitema financeiro e a Secretaria da Receita Federal, a propósito do cumprimento do que dispõe a Instrução Normativa nº 99/93, daquele órgão, que estabelece a obrigatoriedade de as instituições financeiras fornecerem, em meio magnético, dados sobre as operações nas quais houve incidência do Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - IPMF, no ano de 1993, cuja cobrança, naquele exercício, foi declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal.
2. A matéria foi submetida ao Sr. Ministro da Fazenda pelo Ofício/SRF/GAB/Nº 104, de 19 de janeiro de 1994, no qual o Secretário da Receita Federal comunica que as instituições financeiras alegam que o fornecimento das informações referidas na IN 99/93 configuraria quebra de sigilo bancário, o que sujeitaria os respectivos responsáveis às penas da lei.
3. Em sentido contrário, o ponto de vista da Secretaria da Receita Federal é, em resumo, o seguinte:
"Entende a Administração Tributária que a lei complementar a que alude o art. 192 da Constituição destina-se a tratar exclusivamente das matérias elencadas em seus incisos I a VIII, entre as quais não figura o sigilo bancário. Ademais o Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66) reconhecidamente lei complementar à Constituição, sendo posterior à Lei 4.595/64, além de guardar lugar superior na hierarquia das leis, regula a matéria de modo compatível com a moderna concepção doutrinária, legislativa e jurisprudencial dominante no mundo, quanto ao particular, segundo a qual se consagra a prevalência do interesse público sobre o privado. O sigilo bancário, por mais fortes que sejam os direitos e garantias individuais, não deve servir ao acobertamento de ilícitos praticados em detrimento de toda a sociedade, como os ilícitos fiscais. Esta portanto a razão que fundamenta o artigo 197, inciso II do CTN, ao dispor:
Art. l97 Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:
.............................................
II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras". E a seguir:
"Ademais, a modalidade de lançamento típica do IPMF é a de lançamento por homologação. Caracteriza tal lançamento o fato da antecipação de pagamento do tributo, antes de qualquer ação por parte da autoridade tributária. Dá-se o lançamento por homologação, quando, tomando a autoridade tributária conhecimento do pagamento realizado pelo contribuinte, confere-o e considera-o correto. Aceito o ponto de vista da FEBRABAN só ocorreria o lançamento por homologação, pelo decurso do prazo decadencial de cinco anos (art. 150, § 4º, do CTN).
Em verdade, a prevalecer a tese da FEBRABAN ter-se-ia o IPMF como um tributo do tipo "caixa preta". Os bancos entregariam à SRF o total da arrecadação considerada ser devida, sem possibilidade de a administração tributária verificar a correção dos milhares de pagamentos realizados pelos respectivos contribuintes. É de ser lembrado aqui, como impeditivo da aceitação da tese da FEBRABAN, o preceito contido no art. 7º, 'caput' e seu § 4º do CTN, segundo o qual a competência tributária, que envolve a atribuição de efetuar e rever o lançamento, é indelegável, ressaltando, ainda o texto legal, que o simples cometimento do encargo ou da função de arrecadar tributo não constitui delegação. Além disso, não pode a autoridade fiscal ser cerceada no cumprimento de atividade que lhe compete privativamente, qual seja a atividade de lançamento (art. 142 do CTN)."
4. Paralelamente foi encaminhado ao Senhor Ministro da Fazenda o Ofício PRESI-94/0374, de 18 de janeiro de 1994, subscrito pelo Presidente do Banco Central do Brasil (acompanhado de documentos, entre os quais o Parecer DEJUR-030/94, da Procuradoria-Geral daquele Banco), no qual se propõe, como solução para o impasse entre a SRF e as instituições financeiras, o seguinte:
"VI - solicitação, por parte do Banco Central, à rede bancária, das informações requisitadas pela Receita e submissão à Advocacia-Geral da União, de parecer sobre a legalidade da remessa desses dados pelo Banco Central à Receita; tal parecer, se aprovado pelo Exmo. Sr. Presidente da República, vincula e obriga os órgãos da administração, na forma do art. 40, § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10.02.93."
5. Como se vê, a proposição do Banco Central diz respeito a uma questão preliminar ao mérito. Trata-se de saber da necessidade de haver manifestação da AGU sobre o tema em exame. Entendemos que, nos termos do art. 13, combinado com o art. 42, da Lei Complementar nº 73/93, cabe a esta Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, e não à AGU, pronunciar-se, tendo em vista que a matéria é de competência de órgãos que integam o sistema do Ministério da Fazenda. Isto é, os efeitos pretendidos com eventual parecer da AGU, seriam os mesmos produzidos por parecer da PGFN aprovado pelo Ministro da Fazenda.
6. Em relação à parte operativa, entendemos desnecessária a triangulação sugerida pelo Banco Central, no sentido de as instituições fornecerem os dados ao Banco para que este os repasse à Receita. Como os elementos fornecidos pelas instituições financeiras referem-se a matéria tributária, é a SRF a única destinatária deles.
7. O Parecer DEJUR-030/94, do Banco Central do Brasil, que acompanha o Ofício PRESI-94/0374, no qual são feitas considerações genéricas sobre sigilo bancário, assim conclui: "... a verdade é que não cabe a esta Autarquia discutir a aplicação dos preceitos da legislação tributária, em confronto com o art. 38 da lei bancária, até porque não são eles dirigidos ao Banco Central.
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"Não cabe, também, a esta Autarquia, porque a lei não lhe dá tal competência, providências no sentido de impor às instituições financeiras o cumprimento da Instrução Normativa ao início mencionada."
8. Em realidade, entendem as instituições fianceiras, lideradas pelo seu órgão de representação empresarial - Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), que as informações a que se refere a IN/SRF 99/93 estariam obstadas de serem repassadas à SRF, em razão do sigilo bancário regulado pelo art. 38, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.
9. Com efeito, manda o citado art. 38: "As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados". E, na seqüência, estabelecem os §§ 5º e 6º, do mesmo artigo:
"§ 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exame de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente;
§ 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente".
10. A dúvida é se tais normas se aplicam aos dados relativos a contribuintes e base de cálculo do IPMF. Entendemos que não. E isso porque, no caso, não se trata de "esclarecimentos e informes" que as instituições financeiras estejam sendo solicitadas a fornecer à SRF. Trata-se, no caso em exame, de identificar os pagamentos indevidos do tributo, para fim de restituição.
11. Tendo sido declarada ineficaz, no exercício de 1993, a legislação tributária (Lei nº 77/93), nasceu o direito dos contribuintes que tiveram o tributo retido nas operações realizadas naquele ano de receberem tais valores em restituição. Essa restituição somente pode ser efetuada pelo órgão público a quem, efetivamente, teve o ônus ou assumiu o encargo do pagamento, isto é, o contribuinte-titular das operações que revistam a hipótese de incidência do imposto. É o que estabelece, de forma inequívoca, o art. 166 do CTN:
"A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-lo". 12. Relembre-se, ainda que dispensável, que contribuintes do IPMF, nos termos da Lei Complementar nº 77/93 (art. 4º combinado com o art. 2º), são:
a) os titulares de contas correntes de depósitos,de contas correntes de empréstimos, de contas de depósitos de poupança, de depósito especial remunerado e de depósito judicial, em que haja lançamentos a débito, efetuados por instituição financeira;
b) os beneficiários de liquidação ou pagamento, por instituição financeira, de quaisquer créditos, direitos ou valores, por conta e ordem de terceiros, que não tenham sido creditados, em nome do beneficiário, nas contas indicadas na letra "a" deste item;
c) os bancos comerciais, os bancos múltiplos com carteira comercial e as caixas econômicas que efetuem lançamento ou qualquer outra forma de movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, não relacionados nas letras "a" e "b";
d) os comitentes de operaçnes contratadas nos mercados organizados de liquidação futura;
e) qualquer pessoa física ou jurídica que efetuar qualquer outra movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira que, por sua finalidade, reunindo características que permitam presumir a existência de sistema organizado para efetivá-la, produza os mesmos efeitos previstos nas letras "a" a "c", independentemente da pessoa que a efetue, da denominação que possa ter e da forma jurídica ou dos instrumentos utilizados para realizá-la.
13. Tais pessoas teriam, na sistemática tradicional, que, individualmente, requerer a restituição, comprovando os valores que lhes teriam sido descontados pelas instituições financeiras ou que teriam sido pagos, e, em cada caso, somente após a verificação da exatidão dos valores e o reconhecimento do direito do requerente, poderia ser a restituição autorizada. Nesses casos, como haveria processos individualizados, poderiam ser solicitados esclarecimentos e informes das instituições financeiras, como dispõe o art. 38, da Lei 4.595/64, para a confirmação dos dados relativos aos pagamentos ou aos recolhimentos indevidos, e elas os forneceriam, como sempre acontece em freqüentes casos, mesmo em processos de auditoria concernentes a outros tributos, não se tendo conhecimento de resistências maiores ao fornecimento desses dados, naquelas circunstâncias, a não ser em situações isoladas, logo vencidas pelo recurso ao judiciário, que reiteradamente tem reconhecido como inaceitável recusa ao fornecimento dos dados. Nesse sentido é a decisão do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 0071640/71, cuja ementa é do seguinte teor:
"Sigilo Bancário. As decisões na instância ordinária entenderam que em face do Código Tributário Nacional o segredo bancário não é absoluto. Razoável inteligência do direito positivo federal. Inocorrência de dissídio jurisprudencial. Recurso Extraordinário não conhecido".
14. Acontece que a SRF, numa atitude nem sempre freqüente no serviço público, antecipou-se a qualquer inciativa do contribuinte, e, tendo por certo não somente a legalidade da medida, mas, igualmente, o interesse das próprias instituições financeiras, em ressarcir os contribuintes dos valores indevidamente pagos e, em especial, o desses em receber, de imediato, tais valores, baixou a Instrução Normativa nº 99/93, que dispõe:
"Art. 1º O Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira-IPMF, pago ou recolhido no exercício de 1993, será restituído, de ofício, pela Secretaria da Receita Federal.
Art. 2º Para os fins do disposto no art. 1º, as instituições referidas no inciso III do art. 2º da Lei Complementar nº 77, de 1993, e no art. 1º da Instrução Normativa nº 70, de 5 de agosto de 1993, deverão informar à Secretaria da Receita Federal, em meio magnético, no prazo de trinta dias da data da publicação desta Instrução Normativa, os seguintes dados, relativos aos contribuintes do IPMF:
I - nome ou razão social, e o respectivo número de inscrição no CPF ou CGC, e
II - valor do imposto retido, expresso em UFIR da data de pagamento ou recolhimento".
15. A Emenda Constitucional nº 3, de 1993, autorizou, em seu art. 2º, a União a instituir, nos termos de lei complementar, imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
16. A Lei Complementar nº 77, de 13 de julho de 1993, instituiu o IPMF, definindo o seu fato gerador no art. 2º, o sujeito passivo no art. 4º e a base de cálculo no art. 6º. O art. 5º conferiu às instituições financeiras a responsabilidade pela retenção e recolhimento do imposto, transformando-as, no caso, em contribuintes de fato do tributo.
17. Desse modo, a modalidade de lançamento eleita pela Lei Complementar nº 77/93 (art. 5º) é a de lançamento por homologação, definido no art. 150 do CTN. Para proceder ao lançamento, a autoridade fiscal (única com competência para fazê-lo) necessita de todos os elementos elencados no art. 142 do CTN:
"Art. 142 Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível." (Destacamos).
18. Não há imposto que não se submeta a essas normas do CTN. Ora, não se verifica ou calcula, nem se identifica, o de que não se toma conhecimento. Em sendo assim, o constituinte derivado, ao autorizar a instituição do IPMF, permitiu, concomitantemente, o acesso por parte da Receita Federal à movimentação bancária dos contribuintes do imposto, para os fins do lançamento.
19. Oportuno, então, indagar se haveria incompatibilidade do IPMF, tal como previsto pela EC 3/93 e instituído pel Lei Complementar 77/93, com a norma de sigilo bancário estatuída no art. 38 da Lei 4595/64. Com certeza, não. Isto porque, se se imaginar que o sigilo bancário obsta o fornecimento, por parte dos bancos, à Receita, dos elementos imprescindíveis à constituição do crédito tributário, de duas uma: ou o sigilo bancário estaria tornando inviável o próprio imposto ou se estaria delegando à rede bancária aquilo que é de competência privativa da autoridade fiscal. Ambas as hipóteses são inaceitáveis por absoluta falta de amparo legal.
20. Haveria, então, a LC 77/93 derrogado o art. 38 da Lei 4.595/64? Não. Simplesmente, a lei (complementar) retirou do campo de incidência da norma relativa a sigilo bancário os aspectos que integram a definição normativa do IPMF. Vale dizer, para efeito de apuração do IPMF a regra do sigilo bancário não se aplica.
21. Nem há que se dizer que o cidadão estaria sendo lesado no seu direito à privacidade, pois as informações fornecidas à SRF continuam resguardadas, em relação a terceiros, pelo sigilo bancário além do sigilo fiscal.
22. Dessa forma, conclui-se:
a) nos termos do art. 13, combinado com o art. 42, da Lei Complementar nº 73/93, parecer desta Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, aprovado pelo Senhor Ministro da Fazenda, é bastante para obrigar os órgãos autônomos e entidades vinculadas do Ministério da Fazenda;
b) não há injuridicidade na exigência estabelecida pela Instrução Normativa nº 99/93, pois as informações por ela determinadas são aquelas essenciais, não só ao ato de restituição do imposto indevidamente pago, como ao próprio lançamento, quando devido o tributo;
c) por não haver incompatibilidade da Lei Complementar nº 77/93, e da Instrução Normativa sob exame, com o art. 38 da Lei nº 4.595/64, o fornecimento dos dados solicitados pela Secretaria da Receita Federal não vulnera o sigilo bancário.
É o que nos parece. À consideração superior.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 19 de janeiro de 1994. DITIMAR SOUSA BRITTO Procurador da Fazenda Nacional EDUARDO MANEIRA Procurador-Chefe de Gabinete
De acordo.
Encaminhe-se o Parecer que aprovo, ao Gabinete do Senhor Ministro da Fazenda.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 20 de janeiro de 1994. EDGARD LINCOLN DE PROENÇA ROSA Procurador-Geral da Fazenda Nacional
*Este texto não substitui o publicado oficialmente.